Em foco

Constança Capdeville (1937-1992)


Foto: Constança Capdeville

Questionário do MIC.PT · “Oito olhares sobre Constança Capdeville”

ÍNDICE

>> Introdução
>> Questionário
    >> 1. História
    >> 2. Obra
    >> 3. Compositora e Público
    >> 4. Pedagogia
    >> 5. Projeção e Influência
    >> 6. Especulação

>> Constança Capdeville · Playlist

>> Notas de rodapé

INTRODUÇÃO

“Não sou nada/ Nunca serei nada/ Não posso querer ser nada/ À parte isso, trago em mim/ Todos os sonhos do mundo.” (Trecho do poema "Tabacaria" de Álvaro de Campos/ Fernando Pessoa.)

Compositora, pianista, percussionista e professora, Constança Capdeville (1937-1992) aliou a música à componente cénica no contexto do teatro-música, ocupando uma posição singular no universo da música erudita contemporânea em Portugal. A sua criação espelha a reflexão sobre a indissociabilidade entre a vida e as artes, sem nunca esquecer a importância da pesquisa sonora, corporal, gestual e literária da obra.

Ao longo da sua vida Constança Capdeville fundou vários grupos, nomeadamente o Convivium Musicum e o ColecViva, sendo que a sua atividade de compositora foi sempre acompanhada pela de intérprete de piano e percussão e, nessa qualidade, colaborou com os Menestréis de Lisboa e com o Grupo de Música Contemporânea de Lisboa dirigido por Jorge Peixinho. Notabilizou-se também no ensino de Composição, sendo que a sua abordagem muito própria na atividade pedagógica marcou os seus discípulos, alguns hoje compositores reconhecidos. Como podemos ler nas páginas da Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX: «O seu ensino foi orientado pela tentativa de despertar os jovens para as novas relações que pretendeu estabelecer entre o gesto musical, a sonoridade da palavra e do texto, o movimento e a espacialização física dos corpos, deslocando-os do seu contexto próprio para outros universos em que assumiriam novos sentidos».1

De acordo com várias pessoas que a conheceram profissionalmente e pessoalmente, Constança Capdeville era uma grande impulsionadora do meio musical português, tendo influenciado tanto os compositores como os intérpretes da música erudita contemporânea, a quem transmitia as suas ideias do teatro-música. Escreveu cerca de 80 obras distribuídas por vários géneros: orquestra, música de câmara, música para dança, teatro, cinema, teatro-música (encenando música original) e espetáculos cénico-musicais (encenando sobretudo a música de outros compositores). Como diz Mário Vieira de Carvalho no “Prefácio” do livro “Constança Capdeville. Entre o Teatro e a Música” da autoria de Maria João Serrão: «A extraordinária invenção de Constança Capdeville, o seu gesto inconformista, quase sempre marcado por um olhar irónico, senão sarcástico, estão na origem do género híbrido que constitui o traço distintivo da sua obra: entre o teatro e a música, entre a visão e a escuta, entre o teatro pré-fixado e a improvisação, entre o corpo e o instrumento, entre a estrutura e o processo, entre o espaço e o tempo».2

No âmbito do teatro-música de Constança Capdeville reiteram-se as tendências afirmadas na sua música instrumental: uma faceta fortemente multidisciplinar, uma escrita de forma aberta, onde os temas são mais repetidos do que desenvolvidos e onde a nota polar substitui a tónica, perpassada de citações e afirmando a influência dos compositores seus mestres, como Wolfgang Amadeus Mozart, Claude Debussy, Eric Satie e Igor Stravinsky; escolhendo textos de escritores e poetas recorrentemente citados como Federico García Lorca, James Joyce, Blaise Cendrars, Edgar Allan Poe, T. S. Elliot; optando por referências, nomeadamente pelo processo da colagem, a pintores como Salvador Dalí ou Pablo Picasso; e olhando em face os inovadores da performance, como John Cage, Kurt Schwitters, Luciano Berio ou Mauricio Kagel. De todos se aproximou, referenciando-os, e de todos guardou a distância necessária à sua criação única e original. Através da sua obra, Constança Capdeville, inserindo-se nas tendências da criação artística do seu tempo, abriu novos caminhos para as relações entre o teatro e a música, apostando nas novas formas e nos invulgares tipos de comunicação com o público, atualmente paradigmáticos para as criações do teatro-música a nível global.

Não professando nenhum credo estético, a compositora assumiu, por um lado, uma mística de dicotomia entre «terra e céu, subterrâneo e aéreo, obscuro e luminoso» que atravessa as suas obras, bem como uma dialética com o invisível a que se referiu regularmente.3 Por outro lado, a compositora referiu-se também com frequência à dor da existência e neste sentido uma das suas obras mais emblemáticas “Libera Me” (versão de concerto de 1979), para coro, piano, percussão e eletrónica, foca-se neste conflito humano e pessoal. «Segundo ela, o facto de vivermos uma vida que não escolhemos, e cujo conteúdo e destino grandemente nos escapam, era obra da maior injustiça» – escreve Gil Miranda nas páginas do livro “Dez Compositores Portugueses”.4

Constança Capdeville deixou-nos em 1992, há 30 anos; em 2022 a compositora teria celebrado o seu 85 aniversário e é hoje, mais do que nunca, que a sua obra precisa de uma atenção reforçada e urgente para a manter viva e constantemente atualizada. Neste sentido o MIC.PT, a Miso Music Portugal, e a Musicamera Produções proclamam este mês de novembro o “Mês Constança Capdeville”, em que terão lugar várias iniciativas centradas na obra da compositora. Nos dias 4 e 5 de no Teatro Aberto em Lisboa, no contexto da 4.ª edição do Festival CriaSons organizado pela Musicamera Produções, será apresentado o espetáculo de teatro-música “FE..DE..RI..CO...”, uma recriação moderna da obra de Constança Capdeville de 1987, que, mantendo-se fiel ao objeto original, procura pistas para a renovação do teatro-música, permitindo o seu acesso às novas gerações de intérpretes e públicos. No dia 18 de novembro, no âmbito do Festival Música Viva 2022 no O’culto da Ajuda em Lisboa, será lançado, numa edição da Miso Records, um novo CD monográfico de António de Sousa Dias que inclui uma obra dedicada a Constança Capdeville e que utiliza uma gravação da voz da própria compositora. Adicionalmente, a 27 de novembro no O’culto da Ajuda, numa organização conjunta do MIC.PT, da Miso Music Portugal, da Musicamera Produções (membros da riZoma – Plataforma de Intervenção e Investigação para a Criação Musical), terá lugar uma Mesa Redonda “Compreender e Celebrar Constança Capdeville”, com a participação de António de Sousa Dias, Joana Sá, Luís Pacheco Cunha, Miguel Azguime, Rui Vieira Nery, .... Neste mesmo dia no Concerto de Encerramento do Festival Música Viva 2022 no CCB – Centro Cultural de Belém, a Orquestra Metropolitana de Lisboa, sob a direção do maestro Pedro Neves, interpretará a obra “Que mon chant ne soit plus d’oiseau,” (1991). Esta é a derradeira composição para orquestra que Constança Capdeville escreveu mesmo antes do seu falecimento em 1992, e que volta a poder ser dada a ouvir, 30 anos mais tarde, graças a uma edição do MIC.PT, cuja notação atual é uma realização de António de Sousa Dias.

Por fim, em novembro, no “Mês Constança Capdeville”, o MIC.PT lança o Questionário – “Oito olhares sobre Constança Capdeville”, em que oito pessoas que tinham uma ligação profissional e/ ou pessoal com a compositora e que se dedicam à investigação da sua obra, abrem-nos, através de um contraponto a oito vozes, a janela do seu universo artístico e pessoal e convidam para uma (re)descoberta do seu legado. Com este Em Foco o MIC.PT junta-se ao apelo de várias pessoas e entidades para que a obra da compositora não seja arrumada na gaveta da música do século XX, mas que seja valorizada e constantemente reavivada, através da sua presença e circulação nas salas de concerto nacionais e internacionais, e através da sua arquivação, reedição e investigação aprofundada.

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QUESTIONÁRIO

As pessoas que responderam ao Questionário – “Oito olhares sobre Constança Capdeville” são: 1) António de Sousa Dias (compositor, artista multimédia e professor); 2) Filipa Magalhães (investigadora e musicóloga); 3) João Paulo Santos (maestro e pianista); 4) Jorge Matta (maestro e musicólogo); 5) Maria João Serrão (cantora, performer e investigadora); 6) Mónica Chambel (investigadora e musicóloga); 7) Pedro Wallenstein (contrabaixista e presidente da GDA); 8) Sérgio Azevedo (compositor).

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1. HISTÓRIA

· Segundo o seu conhecimento, quais foram as raízes musicais de Constança Capdeville e o que a levou a seguir o percurso da música e da composição? ·

António de Sousa Dias*: Provavelmente a influência do seu pai, que lhe terá incutido o gosto pelas artes, em particular a dança, a música e o cinema. Constança referiu-me o gosto que o seu pai tinha em encenar óperas enquanto as escutavam em conjunto, em casa.

Filipa Magalhães: A compositora Constança Capdeville nasceu em Barcelona em 1937. Em 1951 veio para Portugal com a sua mãe, na sequência dos tumultos da Guerra Civil Espanhola, tinha então 14 anos. Nesta altura ambas são acolhidas pela família de Janine Moura, em Caxias. Passado algum tempo junta-se o seu pai, que havia sido condenado à morte pelo regime de Franco, conseguindo escapar.5 Capdeville ingressa no Conservatório Nacional de Música de Lisboa e estuda com os professores Lourenço Varela Cid (piano), Santiago Kastner (musicologia) e Jorge Croner de Vasconcellos (composição). Capdeville integrou um Curso de Verão em Santiago de Compostela, como Bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian, sob a orientação do compositor e pedagogo Philip Jarnach. Além disso, frequentou vários seminários de análise musical dirigidos por Nadia Boulanger, Croner de Vasconcellos, Luís de Pablo, entre outros.6 Segundo Janine Moura, amiga próxima de Capdeville e também sua colega no Conservatório Nacional, a forte personalidade do professor Croner de Vasconcelos marcou-as profundamente pessoal e musicalmente.7
No entanto, no que respeita à sua prática composicional, Capdeville opta por seguir outro rumo mais direcionado para o teatro-música, tornando-se deste modo a grande representante deste género performativo em Portugal. Outra figura que a marca de forma indelével é o seu pai, Filipe Capdeville. Este era um homem culto, com uma imensa sensibilidade e gosto pelas artes, seja teatro, música ou cinema, a compositora tinha uma enorme admiração por ele. E é o pai que incute também esse gosto na filha, levando-a a diversos eventos culturais e artísticos desde muito cedo. Constança Capdeville era uma leitora ávida e tinha um enorme interesse pelas artes em geral. A obra de Constança Capdeville reflete alguns acontecimentos marcantes da sua vida, há´ referências ao seu lugar de nascimento e há´ uma certa inquietação que se evidencia por uma incessante busca, tanto na pesquisa sonora, como na pesquisa tímbrica, e ainda pela confluência das várias expressões artísticas, nomeadamente a dança, o teatro e o cinema. Essa inquietação pode estar relacionada com uma partida sem retorno. A compositora é originária da Catalunha e foi forçada a mudar de país pelas consequências traumáticas da Guerra Civil Espanhola, embora tenha sempre mantido o contacto com as suas raízes, pois no decurso da sua vida várias vezes visitou a família em Barcelona. Também nas suas obras, Capdeville faz referência a artistas seus conterrâneos, como por exemplo Salvador Dalí, igualmente originário da Catalunha. A compositora recorria às pinturas deste para mostrar aos performers alguns movimentos ou poses que estes deveriam representar em cena, estas pinturas serviam, portanto, de inspiração aos mesmos. Até a própria homenagem que a compositora faz a Garcia Lorca, no espetáculo “FE...DE...RI...CO...” (1987), pois o artista foi vítima da Guerra Civil Espanhola, acaba por ser uma alusão a uma memória deste conturbado e marcante período que se viveu no seu país, do qual mais tarde acaba por se desligar para não mais regressar. Logo, essa inquietação presente na sua obra, ou essa força interior que Capdeville projeta para o exterior expressa através da sua obra, estará´ muito provavelmente ligada à sua pátria e à saudade da mesma. A conceção das obras de Capdeville é então um ponto de encontro entre diversas geografias culturais da música, do som e do silêncio, mas também sociais e afetivas refletidas por meio da sua incessante procura artística.8

João Paulo Santos**: Chego à conclusão de que nada sei ao certo sobre o «passado musical» de Constança Capdeville até ao momento em que a conheci, o que penso ter acontecido em 1976.
Creio que em 1977 se deu no Conservatório o primeiro “Vamos Satiear”; foi no 3.º andar do estabelecimento de ensino, que na altura servia de depósito de madeiras, móveis, pianos e outros objetos velhos. Para muitos de nós foi uma revelação! Fazer espetáculos musicais, concertos, dar a conhecer música daquela maneira tão pouco convencional, sem quase meios nenhuns, meu Deus! Nunca se teria pensado. O Conservatório Nacional era na altura uma escola bem retrógrada, a maioria dos seus professores não tinha ponta de criatividade. Estaria tentado mesmo a afirmar que se cultivava um espírito não inovador e de «passividade» nos alunos.

Jorge Matta: Constança Capdeville nasceu em Barcelona, em plena Guerra Civil, mas veio com a família para Portugal, e aqui ficou a viver. Estudou Piano e Composição, e desde cedo se distinguiu com as suas obras de vanguarda e a sua absoluta independência criativa. Foi uma professora, pedagoga e musicóloga brilhante, criou e colaborou com vários grupos dedicados à música contemporânea, integrou o movimento, a cena e a dança na sua música e nos seus espetáculos (a que ela própria chamava de «teatro musical»), compôs bandas sonoras para vários filmes.

Maria João Serrão: Constança Capdeville nasceu sob os bombardeamentos de Barcelona, durante a Guerra Civil espanhola, atravessando com a família, na pequena infância, um período de carência e adversidade. O pai conseguiu escapar por oito vezes ao pelotão de fuzilamento. A família fugiu, portanto, como tantos outros cidadãos espanhóis e instalou-se definitivamente em Portugal quando C.C. tinha nove anos. Apesar destas más condições seu pai, músico, amador de cinema e naturalmente atraído por tudo o que era artístico, iniciou-a nos primeiros anos de vida (ainda em Barcelona), àquilo que se veio a revelar essencial no futuro em que a compositora atingiria a idade adulta: as artes plásticas, a música, a dança, o cinema.
Parece evidente que os traços da horrível violência que viveu, mas também do amor que recebeu sejam percetíveis na essência da sua música, nos seus espetáculos e na sua relação com o mundo. C. C. vivia a cada momento a música que habitava o seu ser interior e que lhe impregnava os gestos simples do quotidiano; reciprocamente, a sua música inspirava-se em pequenos acontecimentos desse quotidiano. O computo da criação musical é ainda testemunho das suas ideias: as verbalizadas e as latentes nas suas escolhas literárias, musicais ou filosóficas.
Desde logo uma tendência mística sobressai na dicotomia entre polos antagónicos – terra e céu, subterrâneo e aéreo, obscuridade e luz – polos entre os quais oscilam a obra e a vida de C. C. A compositora confessava, por exemplo que, ao compor “Libera Me” (1979; uma das suas primeiras obras) se colocava no centro da Terra; enquanto na composição “Que mon chant ne soit plus d'oiseau,” (1991; a sua última obra) se sentia num ponto central do espaço sideral. Teria então o seu misticismo tradução numa religião determinada? Constança afirmava: «Tenho a minha religião, que é muito especial. Acredito numa força, numa energia que se projeta noutra força que, por seu lado, vai desencadear outras energias...»
Esta energia ancorada numa educação católica fazia com que C. C. acreditasse na vida depois da morte, o que a tornava uma pessoa cheia de força e frágil ao mesmo tempo, tendo alimentado um sentimento de coragem que a defendia da morte física que a ameaçava, por razões hereditárias, desde sempre. Esta convivência entre vida e morte atravessa, aliás, grande parte das suas obras.
Também as ideias musicais eram sempre impregnadas de uma forte presença do invisível que se revela obstinadamente em várias das suas obras de Teatro Musical, através da melodia sobre o verso de T. S. Elliot: «Quem é o terceiro que caminha sempre ao teu lado?» que C. C. sintetiza na frase «wo bist du?». Em cada versão diferente a interrogação mantém-se, espécie de diálogo música/ texto em que a linha melódica revela uma serenidade, quase uma certeza, enquanto o texto revela uma inquietude crescente possível de sintetizar na problemática: onde, como e quando?

Mónica Chambel: É constantemente referido por pessoas próximas de Constança Capdeville que o seu pai era um grande apaixonado pelas artes. Manuel Cintra, em 2012, relata que o pai de Capdeville a levava com apenas três anos a ver os concertos de Pablo Casals na praça pública e Janine Moura, em 2018, recorda a importância do cinema para ambos, pai e filha. O seu pai, atraído por tudo que era artístico, transmitiu-lhe desde cedo o gosto pela dança, pelo cinema e pela música, influência que foi definitivamente marcante na vida da compositora. Capdeville iniciou os seus estudos musicais em Barcelona, mas a família viria a fugir para Portugal quando a compositora tinha nove anos, e aqui continuou os seus estudos musicais.
No que concerne o seu interesse pela composição, Capdeville começou a compor desde muito cedo. Com 12 anos já tinha composto algumas peças pequenas, às quais dava sempre um título (e.g., “Caixinha de música” (1950-1952), para piano), e mesmo nas suas obras iniciais, é possível constatar o seu interesse pelas componentes textuais e gestuais ligadas à música. Em “Visions d’enfant” (1958-1959), uma “Petite Suite pour piano” composta quando a compositora se encontrava no início dos seus 20 anos, já é possível encontrar os prenúncios da importância que atribuiria mais tarde a ambos os elementos. Por exemplo, ao longo do IV Andamento – “Maman, j’ai vu dans la lune” – o performer tem que declamar o texto do título (“Maman, j’ai vu dans la lune”) com diferentes intenções, entre as quais «implorez attention», «timide» ou «sous le poids du rêve». Este interesse na «música das palavras» (Serrão 2006), na musicalidade do som da palavra, foi sendo desenvolvido ao longo da sua carreira e Capdeville foi integrando cada vez mais textos de autores referenciais, por vezes desconstruindo o seu sentido lógico e misturando-os com textos de sua autoria.
No que respeita as suas raízes musicais, Capdeville foi bastante influenciada por compositores como John Cage, Mauricio Kagel ou Edgar Varèse. John Cage, uma das suas maiores influências, demonstrou-lhe como utilizar o silêncio como material composicional e como utilizar o piano preparado. Capdeville conhecia tanto as suas obras musicais como os seus textos, nomeadamente os trabalhos sobre o silêncio. Tal como para Mauricio Kagel, também para Capdeville não existiam delimitações no que concerne a atividade dos performers em palco. A compositora articulou e integrou várias disciplinas artísticas em palco e os performers deixam de ter os seus papéis tão definidos (de acordo com a sua área de ação) e passam a ter funções múltiplas. Para Edgar Varèse era possível utilizar instrumentos musicais de forma não convencional, e Capdeville aproxima-se do compositor ao utilizar instrumentos musicais de forma atípica com o intuito de atingir diversidade tímbrica.
Era ainda fã incondicional de Erik Satie, admirando-o tanto ao ponto de criar diversos espetáculos com texto e música do compositor (“Vamos Satiear! I”, “II” e “III” e “Erik Satie comme tout le monde”) e de o citar nas suas obras. Maria João Serrão refere que Capdeville estimava o imaginário de Satie: a simbologia dos seus grafismos, as suas contradições e o seu gosto pela interdisciplinaridade.
No entanto, Constança Capdeville era uma pessoa com uma erudição sem par, interligando constantemente referências não apenas musicais, mas dos mais diversos domínios, incluindo a pintura, a filosofia ou a literatura. Por todos se deixava inspirar.

Pedro Wallenstein***: Nunca falámos sobre isso; a Constança tinha aliás um delicadíssimo pudor de puxar do currículo para argumento, o que não a impedia de evocar memórias e experiências, sempre que a talho de foice, ilustrativo ou pertinente. Claro que qualquer teórico, biógrafo ou musicólogo saberá, melhor que eu, enquadrar o seu trabalho e percurso nas correntes estéticas da segunda metade do século XX.

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2. OBRA

· Em que medida a personalidade de Constança Capdeville se refletia no seu trabalho criativo? ·

António de Sousa Dias*: A vida e personalidade de CC reflete-se completamente no seu trabalho criativo. CC apresentava-se como dividindo a sua actividade entre a criação, o ensino e a interpretação. Nesse sentido, por exemplo, a sua atividade no ensino, articula-se em três níveis, sempre tendo em vista a criação: o trabalho com estudantes de composição, de interpretação e de musicologia. Nestes há uma permanente interrogação dos limites da própria música, também em articulação com outras áreas. Ainda no ensino, há que mencionar a sua participação em diversas reformas do ensino, onde, para além da composição, também participou ativamente na elaboração de programas de ensino de outras áreas, como a Educação Musical, entre outros.
A Constança Capdeville possuía uma vasta cultura. A sua velocidade e voracidade de leitura, a par de um espírito muito vivo e de uma incessante curiosidade inquieta e irrequieta propiciava um constante interrogar do mundo procurando a essência das coisas, estabelecendo ligações (diria interrogações) inauditas e sempre surpreendentes. (para mais informações na relação com fenomenologia, cf. Sousa Dias 2012).

Jorge Matta: Constança Capdeville era uma mulher de grande inteligência, com um enorme poder de síntese. Nas suas aulas, ou no contacto pessoal, ela tinha o poder de explicar numa frase aquilo que a maior parte das pessoas só em muito tempo ou palavreado consegue fazer. Estudei contraponto e interpretação musical com ela, e tanto descobri com as suas pertinentes observações, muitas vezes em aspetos que nunca tinha sonhado serem importantes (lembro-me, por exemplo, da análise melódica em termos do desenho dos arcos e da criação de impulsos e direções, que para sempre condicionou o meu percurso como intérprete). Era, além disso, uma mulher despreconceituosa, com grande liberdade de pensamento.
Essa inteligência, concisão e liberdade refletem-se nas suas obras, que não seguem correntes anteriores, apenas as suas próprias ideias, e que dizem em pouco tempo aquilo que ela tem para dizer, sempre muito concisas e eficientes do ponto de vista de expressão musical. Têm, para além disso, um equilíbrio perfeito, fruto da sua visão global e sintética. Ela dizia-me uma vez que havia de criar uma obra que incluísse as cadências principais da “Paixão Segundo S. João”, de Bach, em tempo real, ou seja exatamente nos momentos em que aparecem nessa monumental obra de Bach. Haverá outra obra em que o equilíbrio seja mais perfeito, com todas as suas chaves numéricas e geométricas?

Maria João Serrão: Quanto à forma como a personalidade de Constança Capdeville se refletia no seu trabalho criativo, eis as palavras da própria compositora numa das conversas que tivemos na sua casa em Caxias e que gravei: «A personalidade existe na obra acabada, há bocados de mim, mas não se devem despejar na obra como se fosse psicanálise, mas sim como o meu percurso pessoal. Embora as minhas inquietações se vão alterando ao longo do tempo, como base está sempre a minha personalidade».
Eu diria que a Constança tinha plena consciência que a genuinidade do seu interior se refletia nas suas composições meramente musicais, tal como nas obras de teatro musical e na música para o cinema. Ela não as construía senão a partir daquilo a que chamava «instinto musical», colocando a técnica ao serviço do desenrolar da sua própria criatividade. Este processo seria confirmado pela forma como era por vezes surpreendida pela expressividade que manifestava sem que o processo da composição tivesse sido previamente orquestrado em todas as suas prerrogativas. Talvez por isso as suas obras de qualquer género tivessem a virtualidade de surpreender tanto os artistas, seus colaboradores próximos, como o público, por soluções musicais de abrangente teatralidade que emergiam, tal como dizia, da sua particular intuição.
Através do nosso conhecimento pessoal pude constatar a força da personalidade da Constança e, em simultâneo, a simplicidade com que se apresentava, ciente do intenso trabalho que dedicava à criação artística, mas sempre atenta e conectada com os atos simples da vida. Referiu-nos num dos nossos encontros a importância que dava aos sons do quotidiano, mesmo os que lhe surgiam no exterior da sua casa e como, de forma por vezes inesperada, acabavam por influenciar pormenores das suas composições. Lembro com admiração que tal como o som o silêncio a motivava e penso como hoje, mais fortemente que então, o fator silêncio passou a ser um elemento apreciável do seu dogmatismo. Ela própria afirmou: «O silêncio é um problema que é preciso resolver musicalmente. Como poderei trabalhar o silêncio em presença do texto e do som? A solução é fazer aparecer no espetáculo o silêncio como se fosse som e fazer o som tomar o lugar que o silêncio detém habitualmente».
Curiosamente, para além da música, o silêncio tem-se tornado cada vez mais frequentemente objeto de interesse de diferentes áreas do conhecimento e da sensibilidade social, incluindo a filosofia e as neurociências.

Pedro Wallenstein***: Um dos mais comoventes traços da sua personalidade foi o de saber conservar, toda a vida, a genuína pureza do olhar da criança sobre a realidade. E entenda-se aqui «olhar» no sentido lato, que abarca a imagem, o movimento, a palavra, o tacto, o som, o silêncio, o tempo… Pegar numa coisa em si mesma, isolá-la do seu significante ou conjuntura e «brincar» a encaixá-la numa sequência totalmente diversa, era um dos seus processos poéticos mais característicos para requalificar a banalidade quotidiana em objeto artístico. Tinha um enorme fascínio por momentos que, pela repetição, se tornam coreografias rituais uma vez despidas da sua razão originária como, por exemplo, a sequência de movimentos da hospedeira de bordo a mostrar os procedimentos de segurança, a gesticulação da apresentadora de TV a tentar tornar interessante o boletim meteorológico, o ato para-musical de passar a resina no arco ou abafar a vibração da pele do timbale. Em “Silêncio Depois” (1990) a partir de Beckett, um banal, despiciendo e íntimo ato pessoal, torna-se um fortíssimo momento de perturbadora promiscuidade, quando um bailarino e um músico, acocorados frente a frente, roem mutuamente a unhas um do outro…

Sérgio Azevedo: Tendo conhecido pessoalmente – embora só até certo ponto – a Constança Capdeville, enquanto minha professora e como colaborador ocasional nos seus espetáculos durante um breve período antes da sua morte, penso que a personalidade da Constança, como, aliás, a de qualquer grande artista, tinha de se refletir indelevelmente na sua arte. Mulher íntima, que nunca levantava a voz – voz suave como ela também era – com uma sensibilidade extremamente requintada, sonhadora e poética, pequenina de tamanho, mas grande de alma, segura de si e das suas escolhas artísticas, a Constança vivia a sua música, o seu teatro, e a sua criatividade era também notável na sua vida. Diria que a sua vida era também uma peça de teatro musical. Nada existia sem algum elemento poético, algum significado poético. A sua casa estava cheia de arte por todo o lado, com uma vista fabulosa para o rio da sua sala de trabalho onde avultava o piano de cauda, e todos os cantos continham algo que chamava a atenção pela sua bizarria, originalidade. Lembro-me de um «quadro» (chamemos-lhe assim) que um artista amigo lhe havia oferecido que mais não era do que uma moldura. O interior era, assim, a parede e as suas linhas de tinta rachada, as suas manchas de humidade ou da imperfeição do estuque, moldura que a Constança mudava constantemente de sítio, assim modificando aquilo que «víamos» e que era definido, claro, pela própria moldura, que indicava, pelo seu significado tradicional, que o que continha era arte somente pelo facto de a moldura o rodear. Foi, aliás, com essa moldura que a Constança me deu uma fantástica lição sobre o que era, ou podia ser, a arte. A sua música era assim também, nunca completamente só «música», mas sempre algo mais, teatro, dança, declamação, movimento, etc. A ideia da Constança escrever um quarteto de cordas ou uma obra orquestral puramente instrumental, sem mais do que as notas e os ritmos precisamente escritos, e sem recorrer a técnicas expandidas ou a algum tipo de «ação» iconoclasta, era algo impensável. Porém, o seu imaginário era sempre intimista, terno, não provocativo, muito menos violento ou demasiado radical como podia ser o universo de Kagel ou Cage, outras duas grandes referências para ela. A sua personalidade não era de molde a violentar o público, mas antes a cativá-lo pelo silêncio, pelo meio-dito, pela alusão fugaz e poética, mais do que por meio de elementos de choque. Desse ponto de vista, aproximava-se bastante de outros músicos que idolatrava: Ravel e Debussy, músicos do refinamento extremo, da poesia velada. A casa da Constança lembrou-me, quando muitos anos mais tarde a visitei, a singular casa de Ravel em Montfort l’Amaury, cheia de objetos estranhos, curiosos, raros, de mecanismos de pássaros a caixas de música orientais e barcos minúsculos em estranhas garrafas de vidro. O espírito da Constança rondava por ali, e tive um déjà-vu da primeira vez que a visitei em Caxias.

· «Abordar o teatro musical de Constança Capdeville significa penetrar num universo multifacetado de sons e de imagens, que é o das pulsões criativas» – escreve Maria João Serrão nas páginas do livro “Constança Capdeville. Entre o Teatro e a Música” 9. De que maneira Constança Capdeville abriu novos caminhos para as relações entre o teatro e a música? Explique brevemente o seu conceito de «teatro-música». ·

António de Sousa Dias*: No trabalho de Constança, o som é o factor primordial, principal. É o centro de interesse, mas articulando-se com outros elementos e expressões.
Por teatro-música no contexto de Capdeville, entendo uma atividade que toma a música como centro, articulando outras expressões artísticas (teatro, dança, movimento, audiovisuais, etc.). A partir desta definição genérica, e mesmo tratando-se de um domínio de criação bastante amplo, no caso de CC, pode-se particularizar da seguinte maneira: em primeiro lugar, o primado da música que convive com outras forma de expressão, podendo estas adquirir protagonismo; em segundo lugar a exploração de diferentes formatos decorrentes do concerto na sua aceção audiovisual (uma obra de teatro-música pode configurar-se entre uma obra incluída num espetáculo e um espetáculo em si); em terceiro lugar uma exploração de diferentes estratégias de articulação do som e do binómio teatralidade/ teatralização.
No primeiro aspecto, apesar do primado da música, a convivência com outras expressões privilegia aquilo que denomino de contraponto heterogéneo. Este contraponto de camadas de natureza diferente, pode ocorrer de várias formas. Desde a existência de camadas de diferentes expressões que decorrem de forma autónoma, como no caso de duas situações simultâneas, mas independentes onde o sentido da cena resulta da sua existência até situações de sincronia, onde um acontecimento numa das camadas, um som, uma fala, um gesto, pode ocorrer em simultâneo ou desencadear um acontecimento em outra camada.
O segundo aspecto, o formato de apresentação, é bastante livre. Na obra de Capdeville, encontramos música solista ou de conjunto explicitando alguma forma de teatralidade/ teatralização, obras ditas de Teatro Musical que podem ser integradas em concertos ou espetáculos e finalmente espetáculos, que podem ser concertos encenados ou espectáculos cénico-musicais. (Sousa Dias 2020).
Finalmente, elemento importante percorrendo estes aspectos, a existência e exploração explícita da articulação entre o som e o gesto que pode assumir diferentes formas, num eixo que classifiquei de teatralidade/ teatralização (Sousa Dias 2020). Neste eixo, exploram-se técnicas e processos inerentes ao próprio som e onde a gestualidade se encontra intimamente ligada ao resultado sonoro, o que eu denomino de teatralidade do som, mas não estando excluídos aspectos onde o gesto resulta de uma interpretação ou reação ao som e onde um dos extremos seria a caricatura. (Sousa Dias 2020).
Penso que o trabalho de Capdeville contribuiu para possibilitar novos caminhos. No entanto, as possibilidades abertas não tiveram ampla disseminação e desenvolvimento entre nós, fruto do seu prematuro desaparecimento e reduzida divulgação que para tal terão contribuído.

Filipa Magalhães: Na minha opinião, Constança Capdeville com o seu «teatro-música» procurava romper com as barreiras, não pressupondo hierarquias entre o teatro e a música.
Para a compositora tudo era uno, a música e o teatro estavam intimamente ligados. E isso reflete-se também no facto de não haver barreiras definidas relativamente às funções dos intérpretes em palco, nomeadamente o ator, o músico ou o bailarino. Capdeville pretendia desconstruir esses papéis de modo que os performers (palavra que utilizo atualmente, apesar de os membros do grupo ColecViva10 não se reverem nessa noção) se sentissem confortáveis em palco, quer a tocar instrumentos convencionais de forma não-convencional, quer a representar, a cantar ou no gesto que «trazia» o som, etc. O bailarino ou o ator poderiam ter de tocar instrumentos musicais (sobretudo de percussão), o músico poderia ter que representar. Quero com isto dizer que, aquilo que pode parecer relativamente fácil para um músico, não é para um bailarino ou um ator e vice-versa; mas também os músicos, habituados a entrar em palco, saudar o público, tocar (muitas vezes escondidos por detrás da partitura), e a seguir saudar novamente o público e sair do palco, não se sentem confortáveis a representar, mesmo coisas aparentemente simples, e isto é reiteradamente referido por aqueles que colaboraram com Capdeville. Logo creio que foram esses os novos caminhos que Capdeville tentou trilhar, mesmo em termos pedagógicos, e isso é evidenciado nos seminários que dirigiu e apresentou, juntamente com os membros do ColecViva, no ACARTE intitulados “O teatro musical e o intérprete hoje” (1986-88).
Segundo o compositor António de Sousa Dias, Capdeville referia muitas vezes que: «tal como a Pina Bausch fazia teatro-dança, ela fazia teatro-música», esta frase é, a meu ver, muito elucidativa do teatro-música de Capdeville.11 O seu conceito de teatro-música compreende diversas formas de expressão artística (dança, música, teatro), combina diferentes elementos (música, cenários, movimento, texto, gravações [em fita magnética], imagem, adereços, figurinos, luz) e está organizado como uma espécie de «contraponto heterogéneo» (palavra utilizada por Sousa Dias para descrever a estrutura das obras de teatro-música Capdeville) constituído por elementos de naturezas diferentes.

Jorge Matta: Constança Capdeville gosta de falar em «teatro musical». Não se trata de espetáculos encenados, mas de música que sugere gestos dinâmicos, que cria ambientes que facilmente se transformam em situações ou cenas. Um cantor ou um instrumentista que prolonga a sua nota ou a sua frase com um gesto, um acorde que sugere uma luz, uma secção em grupo de câmara que se recria como cena dramática, um instrumento que se torna cénico, ou inversamente movimentos em palco que se tornam notas, ou acordes, ou timbres sonoros. Não há para Constança uma «obsessão cénica», apenas um pensamento criativo global, em que o som facilmente se move, ou uma cena com um som intrinsecamente associado.

Maria João Serrão: O teatro musical, enquanto género, surge a partir do apelo por outros tipos de expressividade que não só a musical e um dos elementos assumidamente utilizados para essa expressividade é o gesto: segundo Constança: «(...) o gesto não aparece só como ornamento, não há obra minha em que o gesto surja como elemento supérfluo, ele representa sempre uma intenção donde: de acordo com o gesto sai o som». E dá como exemplo o autómato de Satie em que através dos gestos se produz a articulação das áreas de influência (em “Erik Satie como toda a gente”, um concerto cénico com C. C. e Manuel Cintra, no Fórum Picoas,1989). E Constança acrescenta ainda: «Para mim, com Erik Satie, consegue-se um certo retorno à austeridade, uma espécie de purificação – eu tenho duas mãos, mas é preciso saber o que posso fazer com estas mãos.» Esta obra tem sido considerada como o início do género de que produziu a seguir muitas outras criações – o Teatro-Música.
Não se pode negar o impulso decisivo que várias obras de Mauricio Kagel provocaram numa viragem ao introduzirem progressivamente elementos de teatralização na música, incluindo o movimento, a dança, a expressividade facial (sorriso, olhar, ameaça, etc..), a gestualidade e a importância da palavra. Um dos exemplos marcantes foram as suas obras “L'Atomisation” (1957-1958), “Sur Scène” (1960) e “Dressur” (1986) ainda hoje desconhecidas do grande público. E, para ir ainda um pouco mais longe, teremos de citar Kurt Schwitters que transformou a poesia e a fonética em obras musicais baseadas nos fonemas da língua alemã. Ex: “Ursonate”, sonata de sons primitivos que levou 10 anos a escrever (1920-1930).
É certo que Constança não nega um olhar virado para compositores e intérpretes que adotaram a teatralização nas suas obras ao longo do séc.XX, os que já referimos e outros tais como John Cage, Luciano Berio, Cathy Berberian, Erik Satie, Georges Aperghis, Francis Schwartz, bem como compositores portugueses: Jorge Peixinho, José Lopes e Silva, Paulo Brandão, Clotilde Rosa, Alexandre Delgado, entre outros. Porém a forma como nas suas obras se vão associando a música, os movimentos de cena, as expressões interpretativas, a interação dos músicos-performers, os excertos de poesia, a iluminação, é representativa de uma liberdade invulgar que caracteriza o estilo de Constança Capdeville, manifestando-se na versatilidade do seu Teatro-Música.

Mónica Chambel: Constança Capdeville é sem dúvida a pioneira e, até hoje, maior referência do teatro-música a nível nacional. A compositora preferia este termo para designar as suas obras pois considerava que o teatro musical tinha evoluído para lá do teatro-musical, à época conotado com o teatro que associamos à Broadway, e de certas formas de teatro do absurdo.
As suas obras demonstram um foco deliberado na inovação artística, tanto a nível da performance como a nível dos conteúdos, e a pesquisa tímbrica e a integração de movimento eram dois dos aspetos que mais a atraiam. No entanto, estas não foram as únicas componentes que Capdeville explorou. Fascinada pela globalidade na criação, a compositora tentou quebrar as barreiras tradicionais entre teatro, artes performativas, música e tecnologia. Até à data tratadas de forma independente, a sua abordagem integrou as diferentes formas de expressão, atribuindo a todas o mesmo valor estético e artístico.
As obras de teatro-música destacam-se pela decomposição dos diferentes formatos de expressão e pela interpenetração das componentes resultantes (nomeadamente através da exploração da palavra, do som, da luz, das imagens, das projeções, do movimento e do gesto), sendo a música o condutor da obra. Todos os elementos eram desenvolvidos de forma autónoma e incluídos de forma integral ou parcial, sem que tal afetasse a simbiose dos mesmos.
Esta interpenetração do movimento, do teatro e da música, permitiu a exploração de novas combinações entre as diferentes formas de expressão e a criação de todo um novo campo de possibilidades artísticas, que Capdeville tão bem nos apresentou. Para António de Sousa Dias, esta exploração aproximou Capdeville do trabalho levado a cabo por Pina Bausch com o teatro-dança. Bausch partia da dança para as outras formas de expressão, enquanto Capdeville partia da música.
No entanto, Capdeville não se limitava a teatralizar o som. O som (e todas as suas qualidades) era o elemento fulcral, o que trazia o gesto, e a compositora considerava que não se podia isolar o movimento do músico daquilo que ele estava a executar. Tanto Olga Prats como João Paulo Santos referem esta questão em entrevistas pessoais; o gesto que contém um contacto entre o corpo e o som que se produzia era um dos elementos determinantes a ser trabalhado com a compositora e que, embora não descrito na partitura, é uma das componentes essenciais a qualquer performance de Capdeville.
As obras de teatro-música são ainda claramente distinguíveis de produções cénicas centradas no paradigma dramático e Capdeville fazia essa distinção. Por exemplo, “Don’t, Juan” (1985) foi definida pela própria compositora como uma «anti ópera». As ações teatrais são criadas pelo fazer música, a música é influenciada pelos elementos simultâneos e as ações dos performers não se referem a enredos ficcionais, sendo dado enfoque à performance em detrimento do drama. Os espaços cénicos são diversificados de forma a alargar e explorar a espacialização sonora, passando a incluir espaços e estruturas fora do palco que ampliam o espaço cénico para lá dos limites do palco. É possível observar também uma demolição do contínuo, uma demolição do tempo e da ação da obra em números individuais, apontando para outra preocupação da compositora, a desconstrução do tempo.
As suas obras partilham ainda uma perspetiva criativa direcionada para a «colagem» de materiais, à semelhança de Luciano Berio, o que as distingue de outras produções centradas em aspetos dramáticos. Perpassadas de citações regulares de artistas da sua eleição (tanto de pintores, como de escritores ou compositores), grande parte das suas obras partilham citações próprias (é possível encontrar o mesmo material autógrafo em obras diferentes). Esta questão é aparente, inclusivamente, na elaboração da componente eletrónica uma vez que, de acordo com Ana Filipa Magalhães, utilizava uma técnica de estúdio que consistia no «corte» e «colagem» da fita, misturando as diversas fontes sonoras durante a montagem.
Constança Capdeville foi profundamente inovadora e marcou definitivamente o experimentalismo português e toda uma geração.

Pedro Wallenstein***: Se não me engano, foi Peter Brook que escreveu: «Posso escolher qualquer espaço vazio e considerá-lo um palco nu. Um homem atravessa esse espaço vazio enquanto outro o observa e isso é suficiente para criar uma ação cénica.»
Na clássica sala de concerto, a convenção, o ritual (de novo esta palavra), manda que o canal de comunicação com o observador/ espetador se estabeleça essencialmente no plano auditivo, reduzindo ao mínimo possível a interferência, a «distração» dos restantes sentidos, tradição que se compreende dado que a atenção e concentração do músico estão sobretudo na interpretação do discurso musical e no domínio dos aspetos técnicos da sua execução. À Constança inquietava particularmente a desocupação desse espaço vazio, a naturalidade adquirida com que o músico – sobretudo o instrumentista para quem o próprio instrumento constitui frequentemente um escudo adicional à barreira invisível, ao vidro de aquário que se interpõe entre observador e observado – se dissocia de uma boa parte desse «palco nu» de que fala Brook. Constança reage a esta inquietação com o apelo à consciência total do corpo físico que ocupa o espaço cénico, conferindo ao mero gesto técnico novo conteúdo e propósito. Em “Amen para uma Ausência” (1987), peça fúnebre para contrabaixo solo, não só pega em ocorrências fortuitas e acidentais, de que o intérprete raramente se dá conta, como o som da respiração ou o cantarolar nasal e involuntário da linha melódica, para as introduzir graficamente na partitura como elemento expressivo e de pontuação do discurso musical, como também, no centro da peça, inverte e subverte a previsibilidade do olhar rotineiro do espetador ao pedir ao executante que desloque o instrumento para um lado e para o outro enquanto mantém totalmente imóvel o braço do arco (momento, aliás, de impossível reprodução fonográfica, uma vez que aqui o efeito musical… é essencialmente visual).

· Defina a «multidisciplinariedade» na obra de Constança Capdeville. ·

António de Sousa Dias*: No caso de Constança Capdeville, definiria a multidisciplinariedade, por um agenciamento complexo entre expressões artísticas diferentes (teatro, dança, cinema, etc.) articuladas por uma expressão central, neste caso a música, onde os diferentes componentes – expressivos, tecnológicos, etc. – estabelecem ligações entre si com diferentes graus de intensidade, cuja superfície resultante se pode entender como um contraponto heterogéneo, como defini acima.

Jorge Matta: «Multidisciplinaridade» não é para Constança Capdeville um objetivo, mas uma atitude natural. Ela trabalha frequentemente com grupos de câmara mistos, que incluem músicos, mimos, bailarinos, mas em que cada um não tem obrigatoriamente de agir segundo a sua especialidade: o pianista torna-se teatral quando toca, o cantor age cenicamente, o bailarino ou o mimo são sonoros no sentido em que habitam ou mobilam o som desse momento. O próprio espaço e a sua acústica condicionam a obra, ampliando-a numa extensa ressonância ou fechando-a num ambiente de câmara (em “Libera me” [1979], por exemplo, em que conforme o espaço em que a obra foi executada, assim se ampliaram ou retraíram sons ou durações).

Maria João Serrão: Gostaria de iniciar este tema com uma breve citação da própria Constança quando diz: «O teatro musical é um momento de evolução virado, nos anos 60, para o lado instrumental e que conheceu posteriormente um desenvolvimento notável; é um teatro de imagens porque corresponde àquilo que cada criador quer e vê. As situações expressivas tornam-se cada vez mais complexas pela interpenetração do movimento, do teatro e da música».
Para além do que já foi mencionado o que me parece ser mais significativo são os seguintes sinais:
a) A importância de alusões a fragmentos de textos em prosa, poesia, de inspiração filosófica ou de simples ocorrência do quotidiano que surgiam em certas passagens aparentemente inusitadas, mas que, após uma análise mais atenta e também pelas explicações que a Constança dava aos seus intérpretes no momento da realização, se percebe terem um sentido profundo para aquilo que pretendia comunicar. Este fator, como outros, tem obviamente uma importância decisiva no contexto e no desenvolvimento dos outros elementos interpretativos e da música.
b) De igual modo devemos focalizar os movimentos de cada intérprete e as deslocações por vezes surpreendentes durante a representação, o que levanta obviamente a curiosidade para entender a razão de tais ações físicas. O porquê, aqui e agora, o que acrescenta ou o que induz para um novo sentido, eventualmente uma resolução inesperada do enredo. Exemplos bem significativos encontram-se ao longo da obra “Don’t, Juan”, anti ópera/ teatro musical (1985) nomeadamente no seu clímax no final da representação em que o personagem protagonista, que nunca apareceu antes, desaparece muito rapidamente a sair de um camarote, em forma de vulto, só permitindo ver ao longe a sombra do manto a esvoaçar e deixando no ar a dúvida: afinal Don Juan existiu ou nunca existiu?
c) Acerca do uso particular da Voz gostaria de transcrever algumas notas dadas pela própria Constança: «“Mise-en-requiem”, quatro instrumentistas, não para cantores, mas em que a voz é muito importante, saem das estantes e veem à frente, um parece tocar mas o som vem doutro, um parece que canta mimando com a boca mas o som vocal vem doutro solista. Obra mais cómica, mais divertida!»
Perguntei ainda a Constança:
«O que significa para ti o elemento Voz?»
«O que eu procuro é um objeto vocal sonoro diferente.»
«Fazes trabalho de voz?»
«Faço trabalho de voz, aquecimento, colocação, experimento variação de timbres.»
«De que forma iniciaste com a voz do Manuel Cintra, a presença dele como intérprete? E com o Luís Madureira? Creio que procuraste nestes dois intérpretes uma tessitura mais aguda, chegando por vezes ao falsete, o que significa para ti esse requisito?»
«O que eu quero é um objeto vocal sonoro diferente, sobretudo uma ambiência fantasmagórica, por isso pedi ao Manuel o falsete.»
«E o que é para ti uma orquestra vocal?»
«Não sei, nunca pensei nisso, mas o que me ocorre é o gosto que tenho em fazer e depois em explorar: se pudesse agarrar numa nas personagens de Shakespeare, e.g., e ouvi-la dizer todos os textos ao mesmo tempo; ou se pudesse ouvir os textos de todos os personagens simultaneamente, sobrepondo os timbres das vozes, para mim isso seria uma orquestra vocal. A expressividade vocal é o mais importante depois tento descobrir os meios técnicos para atingir essa realização, ou seja, os meios técnicos só me interessam para chegar aos expressivos (...).»12
Palavreando Georges Aperghis em relação à partitura de teatro-música, «(...) ela assegura uma certa dramaturgia do indizível». Eu diria o mesmo do trabalho multidisciplinar de Constança Capdeville e por isso também a aprecio tanto.

Mónica Chambel: Capdeville abordou o conceito de «espetáculo» com uma visão muito própria. A compositora achava que a música, o teatro e a dança deviam ser apresentados ao público de uma outra maneira, tendo chegado «o momento em que estamos todos a trabalhar para o mesmo»13. As suas obras são multifacetadas e demonstram um foco deliberado na inovação artística.
Tal como referido anteriormente, Capdeville encontrava referências e inspiração para além do quadro musical. O seu teatro-música integra uma variedade de propostas de relações internas estabelecidas entre a música e expressões literárias e artísticas como a poesia, o cinema, a filosofia e as artes plásticas. Ao decompor e interpenetrar estes diferentes formatos de expressão, a compositora encontrou e explorou todo um novo campo de possibilidades artísticas. No entanto, saliento que todos os elementos presentes nas suas obras intervêm num nível igual, a todos foi dada a mesma importância, e articulam e integram-se sem afetar a sua simbiose.
Capdeville considerava ainda que elementos extramusicais (como luzes, gravações em fita magnética, adereços, projeções, elementos teatrais) tinham o mesmo valor de elementos musicais tradicionais e explorou, decompôs e fundiu-os durante o processo criativo. Os recursos (e materiais) resultantes deste processo podiam ser inseridos nas obras para definir espaços na sala de espetáculo, para estabelecer ambientes ou para criar estados emocionais. Por exemplo, os jogos de luzes assumem particular importância nas suas obras, funcionando como um dos elementos essenciais à performance e à compreensão do espetáculo. Capdeville explorou o desenho de luz de forma a criar ambientes em cena ou a destacar imagens utilizadas como citações ou memórias. Adicionalmente, objetos e instrumentos também intervêm diretamente na ação, podendo ser utilizados como personagens ou elementos cenográficos. Em obras como “Don’t, Juan” (1985) é possível constatar o simbolismo atribuído a objetos inanimados (e.g., o piano representa um objeto fálico e o escadote o rochedo de Sísifo).
A utilização de elementos e materiais tão diversos fez com que muitas das obras de Capdeville não se apresentam apenas sob a forma de partitura com notação convencional ou figurativa, adotando modelos de registo não padronizados (como os roteiros que criou, ponto de referência para as obras de teatro-música). Esta multidisciplinariedade, visível na fusão entre as diferentes formas de expressão, na valorização do aspeto gestual, na exploração sonora no espaço, nos jogos de luzes, nos elementos cenográficos, estava polarizada na música e promoveu a criação de uma linguagem vanguardista com características muito próprias. De tal forma que, ao analisarmos as obras de Capdeville, não é possível descrever um elemento sem referir as suas relações com os demais, todos são elementos geradores da performance. Embora tenham um desenvolvimento independente e um discurso autónomo, os elementos entrecruzam-se, tornando-se indissociáveis na leitura global da obra. As múltiplas formas como incorporou as várias disciplinas na criação artística é um caso muito particular no panorama artístico nacional, e para Ana Pires, conseguiu concretizar a ideia de espetáculo como «obra de arte total».

Pedro Wallenstein***: Multidisciplinariedade, interdisciplinaridade, codisciplinariedade… à primeira vista pode parecer que a proposta da Constança para o seu «teatro-música» se situa algures no avesso da «banda-sonora» cinematográfica (onde a música acompanha, enriquece, acentua a narrativa dramática) para colocar o discurso musical no centro e sobre ele construir uma «banda-visual» ou uma «banda-outracoisaqualquer». A realidade do seu processo criativo foi, no entanto, bem mais diversa e complexa. Na primeira reunião de trabalho para um novo projecto, a Constança chegava com um guião (muitas vezes embrionário ou com zonas em aberto) e disponha diante de nós uma panóplia de «engodos», de catalisadores da imaginação – uma pintura, um passo de partitura, uma notícia de jornal, uma fotografia, um galho de árvore, um anúncio… coisas que, de forma próxima ou remota, invocassem memórias, afectos ou associações com a “narrativa” do guião proposto e com a verdade própria de cada um. E essa verdade do músico, do actor, do bailarino, do cantor, do luminotécnico, do artista plástico, entranhava-se por camadas no progresso do guião original, até ser coroada pela nossa outra frase favorita «…Isso assim já me funciona».

· Escolha e descreva brevemente: 1) obras de Constança Capdeville mais relevantes no percurso da compositora do seu ponto de vista; 2) obras de Constança Capdeville mais importantes para si. Justifique as suas escolhas. ·

António de Sousa Dias*: No caso de três obras que penso serem importantes no percurso de Capdeville, indico “Diferenças sobre um intervalo” (1969), “Don’t Juan” (1985) e “Take 91” (1991). Há outras obras, mas a escolha destas obras deve-se às seguintes razões: “Diferenças sobre um intervalo” (1969) é o seu primeiro trabalho de vulto de escrita para orquestra, e cujo trabalho preparatório e conceptual permitiu uma reflexão sobre aspectos de composição (uma reconsideração de técnicas e materiais musicais que haveria de marcar o seu percurso subsequente); a anti ópera “Don’t Juan” (1985) representa um momento de condensação do seu trabalho em ligação com o teatro-música, no estabelecimento de métodos e técnicas de trabalho, desde a criação à produção e apresentação que haveria de marcar a sua produção subsequente; “Take 91” (1991) marca o momento alto do seu trabalho de teatro-música: o trabalho do ColecViva ao longo de seis anos – além de outros projetos – apresenta não só uma maturidade quer como grupo, quer como veículo para a exploração daquilo que chamaria de «Universo Constança», através da livre exploração de autores, referências, temáticas que lhe eram caras.
De um ponto de vista pessoal, há três obras muito importantes para mim, com impacto directo e visível no meu percurso. São elas a música para “Pílades” de Pier Paolo Pasolini, com encenação de Mário Feliciano (1986), “Libera Me” (versão de concerto, 1978) e “Tibidabo 89 – Museu de Autómatos” (1989).
As razões são as seguintes:
1) Música para “Pílades” de Pier Paolo Pasolini, com encenação de Mário Feliciano (1985). Foi um dos primeiros trabalhos de colaboração com CC. O movimento de percussão que se vê por exemplo em “Rosa de Areia”, ou em obras como “Amen para uma Ausência”, foram trabalhados nesse verão, 1985, nos ensaios. A necessidade de trabalhar a presença em palco (a peça durava cerca de 4 horas e meia), o trabalho colaborativo também com a flauta e o piano (Olga Prats), foram determinantes para cimentar a nossa relação e aprofundar métodos de trabalho.
2) “Libera me” (versão de concerto, 1978) – a minha participação nas gravações desta obra, em 1986, quer como percussionista quer como assistente de Constança foi uma experiência também determinante. O pedido, mais tarde, por parte da Constança para redigir as notas para o disco que inclui esta obra, permitiu-me entrar um pouco mais no seu universo, pois proporcionou uma troca de impressões e de ficar a conhecer pelo lado «de fora» algumas das suas referências e a sua articulação.
3) “Tibidabo 89 – Museu de Autómatos” (1989). Esta obra para mim tem especial importância por várias razões. A primeira, porque acompanhei de perto a sua criação, num momento muito especial, mas vendo o entusiasmo e a importância que CC dava a esta obra por várias razões. Depois porque a obra não foi imediatamente tocada, apenas seria estreada em 2012, num trabalho de reconstrução, diria eu, fascinantemente complexo, quase um inquérito policial (ver Sousa Dias 2012). Finalmente, nessa obra penso que se espelham alguns temas recorrentes de CC, como a dialética autómato-interprete, a articulação de cenas e sua relação com a substância musical, no seu trabalho, diria que se trata de um missing-link importante para compreender o pensamento de CC.

Filipa Magalhães: Relativamente a esta questão apenas me poderei referir às obras que tive oportunidade de estudar no âmbito do doutoramento, e que foram os meus estudos de caso, nomeadamente: “Mise-en-Requiem” (1979), “Cerromaior” (1980), “Molly Bloom” (1981), “Double” (1982) e “FE...DE...RI...CO...” (1987). Estas, embora tenham sido escritas com propósitos diferentes, têm semelhanças no que respeita ao processo criativo. Em “Cerromaoir” a compositora compõe a música para o filme, e, em “Molly Bloom”, compõe as intervenções musicais para a peça de teatro. As restantes são obras compostas no contexto do teatro-música, todas elas, apesar de compreenderem um espaço temporal de quase uma década, apresentam pontos de contacto comuns. Estes resultam do facto de todas incluírem registos áudio, guiões e roteiros, serem espetáculos ou obras com imagem (depreende-se daqui que o espetáculo em palco faz parte da «imagem» – elementos visuais no sentido performativo); e ainda especificidades musicais comuns como, por exemplo, o piano preparado (ao vivo e gravado); tipos de uso de instrumentos de percussão e outros artefactos como fonte sonora; o uso da fita magnética como «personagem/ músico»; todas as obras usam ou têm por base um ou vários textos; no caso particular das obras de teatro-música há uma ambiguidade quase constante entre músicos, atores e bailarinos; e a reutilização de materiais é ainda outro elemento comum (e.g. a gravação do som do comboio).
No entanto, há também aspetos particulares a estas obras, por exemplo, Constança Capdeville em:
· “Mise-en-Requiem” faz referência a obras musicais do passado (e.g. “Requiem” de Mozart, “Orfeo” de Monteverdi); existe uma partitura geral; são utilizados reservatórios (bem como notas sobre como os usar); notas com os nomes de símbolos especificamente criados para usar na performance desta obra e que aparecem na partitura; roteiro de gravações.
· “Cerromaior” a música funciona como leitmotiv que acompanha as personagens principais, bem como efeitos que remetem para momentos de morte ou outros; a compositora não faz sonoplastia, nem a escolha das outras obras musicais reproduzidas no filme.
· “Molly Bloom” cria os efeitos sonoros (e.g. som de urina e outros); nesta peça de teatro não há som ao vivo exceto o do monólogo, interpretado por Graça Lobo (voz); existe uma fita magnética com material não montado, em bruto; existe o texto narrado por Ruy de Carvalho (usado para a gravação em fita).
· “Double” leva à exaustão o uso da fita magnética (duas fitas em simultâneo), considerada como «personagem ou interveniente»; a obra, pelas suas características, depende ainda mais da fita (que faz de duplo dos performers, daí o título “Double”), havendo uma estreita interação dos performers com o seu duplo (reproduzido pelas fitas e ainda por um espelho, componente visual). Há um coro mudo (elemento cénico sonorizado pela fita) e, ainda durante a performance, decorre um jogo de xadrez (interpretado por Jorge Peixinho e João Heitor) em cima de tímpanos, sem ser emitido qualquer som; existe uma partitura geral, roteiros e excertos de textos ou outra informação complementar.
· “FE...DE...RI...CO...” utiliza elementos «provocatórios» como a gravação de um excerto de uma peça de teatro “Bodas de Sangue” com a voz da Lola Membrives (muito trágica), mas também de outras peças de teatro de Lorca; cita obras musicais (melodias populares, canções de embalar) de Lorca e outros autores; textos essencialmente da autoria de Lorca; não existe partitura geral, há apenas guiões e roteiros, outros documentos com a descrições das cenas; há muita documentação complementar; diapositivos (desenhos de Lorca); objetos (balões e outros que compõem o cenário podendo ou não transmitir sons); instrumentos que produzem sons em forma de brinquedo (rãs de lata); relógio de cuco; existem várias partituras das peças musicais interpretadas ao longo da performance (polca e ragtime).
Embora estas obras possam apresentar características peculiares, há uma transversalidade a todas elas que demarca bem o cunho de Constança Capdeville, um traço inconfundível que torna esta compositora particular.14

João Paulo Santos**: Eu era um rapaz cheio de curiosidade (17 anos…) e logo me vi ligado ao grupo que circulava junto à Constança e posso dizer que fui quase instantaneamente «adotado» por ela. Participei em todos os projetos por ela imaginados a partir de 1978. Vários “Vamos Satiear” (1979-1985), a versão coreografada do “Libera Me” (1977-1979), a estreia do “Double” (1982) e vários espetáculos no Festival dos Capuchos – “En Rouge et Noir” (1981), “Vamos Satiear... com Erik Satie”, “Uma hora com Igor Stravinsky” (1980).
A estreia de “Double” foi relativamente acidentada do ponto de vista da preparação dos requisitos técnicos (de palco, de luz, de som) que a obra exigia. A minha recordação é mais de sobreviver do que outra coisa. Já “Libera Me” foi uma experiência forte. Tinha assistido entusiasmado à estreia em concerto da obra e foi para mim uma grande oportunidade colaborar na versão coreografada. Apesar dos instrumentos se encontrarem no fosso, é claro que a postura dos instrumentistas era rigorosamente controlada por CC. Para todos era óbvio que tínhamos de ser «diferentes», tão cénicos quanto os bailarinos em palco!
Já depois da sua morte dirigi repetidas vezes com o Grupo de Música Contemporânea de Lisboa o mítico “Momento I” (1970-1971). Ainda hoje sinto a força inovadora da obra, da exigência de uma postura, de um envolvimento a que toda a obra de CC obriga.

Jorge Matta: “Libera me” (1979) foi criado inicialmente para bailado (para o Ballet Gulbenkian, com uma coreografia de Vasco Wellenkamp), numa versão totalmente gravada. Na sequência do sucesso dos espetáculos, Constança Capdeville recriou a obra para ser executada ao vivo. A estreia desta nova versão foi em 1979, nesta mesma sala, com o Coro e o Ballet Gulbenkian. O texto de Libera me é uma das partes do rito católico fúnebre, mas Constança não o utiliza literalmente, apenas o toma como estímulo compositivo, recriando a ideia de libertação. A obra faz uso do princípio aleatório (neste caso não quer dizer ausência de escolha do criador, mas deixar ao executante a determinação de certos parâmetros, seguindo princípios definidos), utiliza elementos originais e colagens de excertos de obras anteriores. A compositora explica, em 1981, numa entrevista ao Diário de Notícias: «Não considerei as colagens como elementos já existentes, não as usei como citações. Peguei no material como se fosse material musical ainda por elaborar. Quanto à essência da obra, é o querer chegar, através de material contraditório, através do assumir desses elementos, a uma unificação. Utilizei material musical em perfeita oposição: canto tibetano, canto gregoriano, etc. Tudo foi trabalhado de modo a conseguir uma unificação. […] “Libera me” é o nascer de qualquer coisa, a libertação através da própria aceitação das nossas limitações. E, como acontece com todas as minhas obras, também esta termina com um ponto de interrogação. O público tem de ficar com a noção de um todo, mas de um todo que fica no ar, em suspenso para a próxima obra.»

Mónica Chambel: 1) Para mim, as três obras mais relevantes no percurso de Constança Capdeville foram: “Diferenças sobre um intervalo” (1969); “Momento I” (1970-1971) e “Don’t, Juan” (1985).
“Diferenças sobre um intervalo” (1969), para orquestra, foi encomendado por Maria Madalena de Azeredo Perdigão para o Serviço de Música da Fundação Calouste Gulbenkian. Esta encomenda impulsionou de forma significativa a carreira de Capdeville como compositora e a obra já possuía uma linguagem muito particular.
A peça “Momento I” (1970-1971), para voz, flauta, percussão, guitarra e violino, foi estreada pelo Grupo de Música Contemporânea de Lisboa. A própria compositora refere, numa entrevista a Miguel Azguime, que “Momento I” foi um ponto de viragem na sua carreira pois estabelece uma rotura com as obras anteriores, este era o seu Opus I. O tempo e da pesquisa tímbrica passam a ser dois elementos centrais para Capdeville, elementos que iria explorar de forma sistemática nas obras seguintes.
“Don’t, Juan” (1985) foi encomendado pela Secretaria de Estado da Cultura a apresentou o recém-formado grupo ColecViva. Definido pela compositora como uma “anti ópera” para voz, piano, contrabaixo, percussão, fita magnética, mimo, bailarino e luzes, apresenta-se como uma das peças de teatro-música mais paradigmáticas de Capdeville. A obra apresenta uma sequência de onze tableaux, sem ação dramática, centrada na apresentação de várias personagens.
2) As obras que mais me marcaram foram, sem dúvida, “Libera me” (1979), “Double” (1982) e “Don’t, Juan” (1985).
“Libera me” (1979), na versão de concerto, foi a obra que me introduziu Constança Capdeville e por isso tem um significado especial. Foi com esta obra que descobri o universo sonoro e criativo de Capdeville e que, ultimamente, me deixou de tal forma fascinada que dediquei a minha vida académica ao estudo das suas obras.
“Double” (1982) e “Don’t, Juan” (1985) foram as primeiras obras de Capdeville que trabalhei. Juntamente com o Xperimus Ensemble, recriámos as obras para a minha dissertação e o processo permitiu-me vê-las de uma outra forma. Perceber como os materiais se interligavam, a quantidade de referências presentes e a forma como todos os materiais se encaixavam na construção do puzzle que são estas obras foi trabalhoso, mas fascinante.
“Double” (1982), para voz, piano, violoncelo, dois percussionistas (jogadores de xadrez), coro mudo, fita magnética e luzes, foi também encomendada pelo Serviço de Música da Fundação Calouste Gulbenkian. A obra foi construída a partir de diferentes tipos de dualidade, de jogos de duplos e opostos, e para a compositora existem duas grandes linhas de força a serem exploradas: o duplo cénico-musical e visual-sonoro, e a convergência de várias interpretações do elemento tempo.
“Don’t, Juan” (1985), tal como descrito anteriormente, foi a obra que apresentou o ColecViva. Música e diversos elementos extramusicais desencadeiam ações, não sendo possível descrever um elemento sem referir as suas relações com os demais.

Sérgio Azevedo: Penso que as “Visions d'Enfant” (1958-1959), curto ciclo pianístico, às quais se podem juntar algumas outras obras da mesma altura como a muito tocada e conhecida “Caixinha de Música” (1950-1952), são muito relevantes pois datam da juventude da Constança (escritas entre os 15-17 anos?) e revelam um talento precoce e original, já virado para o teatro musical (“Maman, j’ai vu dans la Lune” usa um pequeno texto poético apenso à partitura que poderá, ou não, ser lido pelo, ou pela, pianista) e para as influências – na altura raras – de Satie, Mompou e Stravinsky.
Em seguida a “Sonata para Trombone e Piano” (1963), uma obra que chegou a ser publicada, é também muito relevante numa fase inicial, correspondendo de certa forma a uma espécie de «peça de término de estudos», uma vez que, dentro de um neoclassicismo adstringente oriundo de Stravinsky e Hindemith, a Constança demonstra o seu perfeito domínio do «métier» tradicional, para mais num formato raro e difícil como é este.
Por fim, e aqui penso que não estarei muito isolado no meu julgamento, “Libera Me” (1979) parece-me ser a partitura que, pelos meios usados e ambição formal, complexidade e riqueza de referências, bem como pelo sucesso continuado desde a estreia (é das poucas obras da Constança que tem sido feita com alguma regularidade e gravada em disco), mais revela daquilo que a Constança era, daquilo que ela admirava, e daquilo que era o seu credo estético, juntando elementos de peça de concerto/ peça sacra/ teatro musical/ rigor e improvisação, etc.
No que toca ao meu gosto pessoal, e sem de modo algum diminuir as peças antes mencionadas ou pretender que sejam, estas agora escolhidas, das mais relevantes da sua autora, e para além do “Libera Me”, que é a que mais significou para mim, tenho um carinho especial pela peça para recitante e piano “La Prose du Transsibérien et de la petite Jeanne de France” (1989) sobre um texto de Blaise Cendrars, cuja música esparsa e alusiva, baseada em fragmentos de vária origem, ilustra às mil maravilhas o texto modernista de Cendrars, bem como acho uma pequena obra-prima o auto natalício para crianças “O Natal do Anjinho Dorminhoco” (1964) que, sendo uma obra inicial, é de uma enorme ternura e revela a Constança como ela sempre foi: uma compositora intimista, ligada ao imaginário infantil que foi também o imaginário de tantos artistas que ela adorava e com os quais partilhava, aliás, laços geográficos e culturais, artistas como Miró ou Mompou.

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3. COMPOSITORA E PÚBLICO

· «Constança Capdeville deu-me a volta à cabeça sobretudo a nível interpretativo, a nível de palco e a nível físico da música. Ela limpou-me os ouvidos de preconceitos, porque o pianista sempre toca de perfil, mal olha para as pessoas e vai-se embora. A Constança deu-me uma dimensão teatral, esta naturalidade de entrar num palco, falar com as pessoas, explicar as coisas e estar à vontade» – disse a pianista Olga Prats15. A aposta de Constança Capdeville nas novas e invulgares formas de comunicação da música contemporânea contribuiu para a aproximação da mesma ao público geral? ·

António de Sousa Dias*: Sim. CC explorou diferentes formas de mediação com o público em termos de propostas. Concebeu espetáculos, realizou workshops, programas de televisão, conferências, etc.
Note-se que na época, os espectáculos de CC tinham sempre bastante audiência. O espetáculo “The Cage” (1987), por exemplo, originou mesmo altercações à porta por não haver lugares suficientes para todo o público que estava interessado em assistir.
Mas isto era conseguido, em minha opinião, através de uma estratégia assente em dois eixos: um eixo centrado no repensar da relação entre o intérprete e o reportório repensando as fundações da sua atitude interpretativa (o lado fenomenológico) e um segundo eixo assente na revisão da relação entre o reportório e o público através de uma atitude crítica quanto ao acontecimento-concerto.

Filipa Magalhães: No âmbito da minha investigação doutoral, que culminou com a tese intitulada: “«A música já não pode viver sozinha»: da interação rumo à identidade na obra de Constança Capdeville”, obtive muitos testemunhos por parte dos membros do ColecViva e de outros que colaboraram de perto com Constança Capdeville.
Muitos se referiam à sua forma de comunicar com o público e, de acordo com a maioria, os espetáculos de Capdeville provocavam sempre um efeito surpresa no público. Sousa Dias referiu que havia uma grande adesão por parte do público a estes espetáculos e chegou mesmo a haver desentendimentos, porque as pessoas queriam assistir e não conseguiam. Não me esqueço das palavras de Alejandro Erlich-Oliva que relatou um episódio em “Don’t, Juan” (1985), a primeira obra apresentada pelo grupo ColecViva. Esta obra começa com um afinador que entra em palco para afinar o piano, com um ar muito sério, afina o piano e sai, pouco depois João Natividade, o bailarino, sai literalmente de dentro do piano e, segundo, Erlich-Oliva, o público fica boquiaberto com aquela cena.16 Nalgumas das suas obras, Constança Capdeville inspirou-se em cenas dos filmes de Buster Keaton, nas suas obras “FE...DE...RI...CO...” (1987) ou “Silêncio Depois” (1990), há uma sequência a qual a compositora designa por «Buster Keaton». Em “FE...DE...RI...CO...”, o bailarino entra pela porta do público e corre para o palco como se estivesse a fugir de ladrões, obviamente o público fica surpreendido, porque na época não era comum um espetáculo musical apresentar esse tipo de cenas, não nos esqueçamos que antes dos anos 70/ 80 a maioria do repertório apresentado era canónico, portanto o público não estava habituado a isso! Logo, creio que Capdeville através do seu teatro-música procurou aproximar o público das suas obras de modo que este se sentisse como parte integrante das mesmas.

Sérgio Azevedo: Penso que não, penso que não funcionou para o «público em geral». Essa expressão lembra-me o público que vai à Gulbenkian, ou seja, aos concertos das temporadas tradicionais,. Lembra-me as pessoas vulgarmente chamadas de «melómanas» e que conhecem as árias de Puccini e as sinfonias de Beethoven, e costumam ir aos concertos tradicionais. Essas, não creio que se tenham aproximado mais da música contemporânea por causa da Constança. O público da música contemporânea, da música de vanguarda ou o que lhe quisermos chamar, sempre foi diminuto, nomeadamente em Portugal, e o público que ia ver os espetáculos da Constança, muitas vezes em salas pequenas, como o ACARTE, era um misto de pessoas do teatro, da dança, da música, e de outras formas de expressão artística, muito distante do público que ia ouvir ópera ao TNSC ou as grandes obras canónicas à FCG. O público – o oriundo da música ou que ia mais pela música – da Constança era o mesmo público do Jorge Peixinho, do Álvaro Salazar, do Cândido Lima, etc. Ou seja, outros compositores, alunos de Composição, meia dúzia de curiosos e amigos, e por aí adiante. Num ou noutro concerto ou espetáculo mais mediático, numa sala maior, e bem publicitado, este poderá ter tido outro tipo de público, ou até membros desse «público geral», mas eram raras essas ocasiões e, a maioria, relacionadas com eventos teatrais e não tanto musicais (como a muita música de cena que a Constança escreveu). Agora, se dentro desse público restrito as pessoas se aproximaram mais da Constança do que, por exemplo, do Peixinho ou do Álvaro, aí talvez sim, porque os espetáculos da Constança viam-se bem, não eram de todo pedantes, estavam cheios de humor e de loucura, e a música, como referi, na maioria das vezes nem era «experimental», era de Satie, de Kurt Weill, e de outros nomes – populares até – da história da música ou, pelo menos, se não populares donos de uma escrita «acessível», como o mencionado Satie.

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4. PEDAGOGIA

· Na entrevista dada ao MIC.PT em Maio de 2005 o compositor Virgílio Melo disse: «a Constança Capdeville era um daqueles fenómenos assim quase um pouco zen… não aprendi nada com ela, mas sabia abrir o que havia em cada pessoa – o não aprender neste caso é positivo. Ela nisso era uma pessoa absolutamente extraordinária...»17. Qual foi a abordagem de Constança Capdeville enquanto pedagoga e qual foi a importância e a contribuição da compositora para a criação de novas gerações de compositores e compositoras em Portugal? ·

António de Sousa Dias*: A sua importância verifica-se sobretudo na preparação de uma mudança de mentalidades e paradigmas relativos à forma como se encara a música em si mesma.
Constança Capdeville não foi professora de um grande número de compositores. Em todo o caso, participou na formação de muitos dos que se formaram entre meados dos anos 80 até 1990 e o seu estilo particular de aulas terá certamente influenciado de alguma forma os seus estudantes. É preciso não esquecer que ela foi professora de intérpretes, de musicólogos, entre outros, tocando diversas profissões musicais, donde penso que a sua marca, mesmo indelével está mais presente do que poderemos pensar.
A afirmação do Virgílio Melo faz-nos descobrir uma das marcas do ensino de Capdeville. Constança seguia um método cujos fundamentos se podem encontrar em “O Mestre Ignorante” de Jacques Rancière, onde nos é apresentado o método de Joseph Jacotot e através do qual se coloca a possibilidade de um mestre poder não saber aquilo que o discípulo necessita saber. Por vezes há tendência a confundir este método com a maiêutica, mas existe aqui uma diferença fundamental que reside na ausência de um poder exercido (o mestre está ao mesmo nível que o discípulo), o mestre não ordena, não conduz, ajuda o discípulo a verificar se está a atingir o que se propôs.
No caso da Constança, éramos levados a um permanente questionar dos gestos musicais propostos e isso, mesmo nos casos de estudo de sistemas anteriores, por exemplo a harmonia tonal, permitia compreender as razões de certas «regras» e também os motivos que permitiam a sua suspensão.
Mas mais ainda, este método assume o princípio de que a liberdade não é algo a atingir, mas sim um dado à partida e que as inteligências são iguais. Ora esta atitude coloca vários problemas, sobretudo num contexto em que se requer rapidez de resultados, de assimilação de métodos prefeitos, e até a nível institucional onde o sistema de ensino está rigidamente hierarquizado. Ora, e isto é interessante no caso da Constança, e de certa forma no caso de alguns compositores da sua geração, nós eramos tratados como iguais, no sentido em que éramos escutados de forma igualitária e nunca condescendente.

Filipa Magalhães: A compositora Constança Capdeville, apesar de ter deixado uma marca indelével em muitas pessoas, tanto no que respeita à sua estética musical e forma de criar, quanto nos ensinamentos e relações afetivas, mantém-se uma figura excecional da cultura musical contemporânea portuguesa, pois como compositora não tem antecessores nem sucessores, e, apesar da sua influência em muitas pessoas ligadas à criação musical, ninguém deu continuidade ao seu trabalho. No entanto, é importante salientar que compositores como, por exemplo, António de Sousa Dias, Carlos Alberto Augusto e, ainda, Miguel Azguime, absorveram alguns dos pressupostos de Capdeville, quer relativamente à sua postura em palco, quer relativamente à sua abertura na utilização do som e também dos cânones musicais, procurando uma maior libertação em palco, num sentido iconoclasta. Quando se ouve a sua música atualmente, percebe-se que esta não está datada, e o seu pensamento musical e a sua prática performativa continuam a ser atuais. A única coisa ultrapassada são os meios tecnológicos, embora se deva dizer, em sua defesa, que esta era a tecnologia utilizada na época e que, devido ao rápido desenvolvimento tecnológico, essa foi-se tornando obsoleta, trazendo problemas atualmente tanto à preservação das suas obras, como ao seu estudo musicológico.18
Porém, e apesar das dificuldades em relação à recuperação das obras de teatro-música de Constança Capdeville, gostaria de realçar o crescente interesse e curiosidade por parte de alunos em conhecer melhor as obras desta compositora para as inserir, mais tarde, nos seus programas curriculares. Alguns acreditam mesmo que as «obras de Constança Capdeville podem melhorar as capacidades musicais dos alunos» e que «algumas obras e momentos de teatro musical desta compositora poderiam resultar bastante bem para desenvolvimento dos alunos de música, dada a sua natureza sensorial e associação da palavra à música» (Jaime Casal).19

João Paulo Santos**: Nunca fui aluno dela, mas considero que ela foi uma peça importantíssima na minha formação. Constança sabia abrir a cabeça dos que lhe eram próximos, para problemas que não faziam de todo parte das preocupações do ensino da música (será que já fazem?). No meu caso, sobretudo mudou a minha maneira de ver o estar em palco, a maneira de organizar um concerto. Alertou-me para a dose de teatralidade que qualquer aparição em público requer. Aliás, foi esse o grande papel que ela desempenhou numa geração de músicos que com ela conviveu.

Sérgio Azevedo: Lamento se o compositor em causa não aprendeu nada com a Constança, possivelmente falta dele e não dela, pois eu aprendi, e muitíssimo, (e não somente sobre música, como referi noutra resposta). Aliás, a abordagem da Constança era extremamente cativante e desafiadora. Quando ouvia, por exemplo, uma peça que eu havia levado para a aula, e que acabara de tocar ao piano (na altura, no primeiro ano na ESML, escrevi mais para piano por ser mais fácil de controlar os resultados), não me dizia imediatamente o que estava menos bem, mas obrigava-me a pensar sobre isso. Dizia-me, por exemplo «Acho que o fim não funciona», ou «Há algo nesta peça que não me convence, pensa sobre isso e tenta perceber o que é». Eu ia para casa, pensava sobre o assunto, e na aula seguinte discutia com ela o que eu pensava ser o problema, e eventualmente trazia uma ideia alternativa, e era nessa discussão, na qual eu me confrontava com ela, que residia grande parte da aprendizagem, pois ela negava-se a dar-me receitas e soluções, o que era uma grande forma de respeito, pois significava que a Constança me considerava, a mim, mero aluno sem experiência nenhuma, o compositor, e não ela. Cumpria-lhe ajudar-me a perceber os problemas e a sua razão, e a fazer-me encontrar uma solução, solução essa que era depois também discutida, e aí sim, ao concretizar mais objetivamente as suas ideias sobre o tipo de problema e como o resolver, a Constança explicava-me as razões das suas objeções ou até dos seus elogios, pois não era parca em elogios quando percebia que eu tinha alcançado não somente a iluminação, digamos assim, sobre o que se passava de errado na peça, como tinha em certos casos, encontrado uma boa solução. Agora, se o aluno em causa não tiver grandes ideias na cabeça nem essa capacidade, claro que a Constança pouco poderia fazer, mas isso acontece com todos os professores. Não é compositor, ou artista em geral, quem quer, mas quem pode. Um professor que assinale os problemas e dê logo as soluções, na realidade não ensina grande coisa, limita-se a substituir-se ao aluno, escreve e pensa por ele. Mesmo sendo a imitação do processo algo a que aqui e ali o professor pode recorrer, não pode transformar-se este método em algo habitual, quotidiano. Obrigar o aluno a pensar, e a resolver os problemas que lhe surgem, complementando isso com exemplos dos mestres, audições de obras tantas vezes surpreendentes por originais (ouvíamos desde Kurt Weill até Xenakis), foi para mim muito importante, e desse ponto de vista, quer Fernando Lopes-Graça quer a Constança foram os meus exemplos pois, mais do que professores, foram mestres. Infelizmente, quando surgem as novas gerações, como a minha, e abre a ESML, a Constança já era uma pessoa doente, e juntando a doença à sua natural fragilidade (embora com imensa força interior) o seu impacto no ensino foi diminuto no que toca a formar novos compositores. Penso que não terá deixado muitos discípulos, aliás, o António de Sousa Dias desse ponto de vista foi e continua a ser o seu aluno mais próximo, seguindo-se talvez eu, dado que colaborei com ela ainda nos espetáculos, e a conheci até um certo ponto de intimidade profissional. Depois, claro que foi professora na ESML de outros colegas, como o Carlos Caires ou o Eurico Carrapatoso, insignes compositores, mas que, penso, nunca chegaram a ter aquela proximidade, pessoal e profissional, que o António teve com ela e que eu ainda consegui ter um bocadinho, relação cortada cerce pela sua morte prematura quando ainda tinha tanto para dar.

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5. PROJEÇÃO E INFLUÊNCIA

· Concorda com a afirmação que Constança Capdeville era uma grande impulsionadora do meio musical português? Justifique a sua resposta. ·

António de Sousa Dias*: Sim. A sua importância para o meio musical verifica-se nas três vertentes em que dividia a sua atividade: a criação, a interpretação e o ensino. Além disso, a Constança tinha um forte sentido institucional na medida em que sempre participou com instituições (as escolas – Academia Santa Cecília, Conservatório, Ciências Musicais, ESML – e outros actores JMP, APEM, FCG-ACARTE, RTP, etc.).
A este respeito consultar em particular Serrão 2006, pp17-20, Serrão 2010 e Magalhães 2020.
Assim, para além da criação, é através da interpretação de obras e autores menos conhecidos que contribui para o meio: Satie, Cage, entre outros são divulgados pelas Constança através de concertos, programas, etc.
Também terá contribuído para uma maior abertura do meio musical de forma, talvez, menos visível: a participação em reformas musicais, na elaboração de programas de formação musical, entre outros, onde se destaca a inclusão de material musical provindo diretamente de obras, o que na altura não era usual em Portugal, a formação de músicos com impacto na cena musical, como por exemplo Rui Vieira Nery, João Paulo Santos, Luís Madureira, entre outros e, também muito importante, os seminários que organizou sobre improvisação e criatividade, onde destacaria os seminários realizados pelo ColecViva no ACARTE sob o tema “O teatro musical e o interprete hoje” entre 1986 e 1988.
Também nesta abertura para outros domínios musicais, como por exemplo a musicologia, a Constança também terá tido influência no meio, dada a participação até à sua morte no departamento de Ciências Musicais onde tinha a seu cargo as disciplinas relacionadas com música do século XX. A sua abertura às correntes do século XX e vontade de actualização permanente terão tido também o seu impacto na formação de jovens que, na altura, não poderiam aceder tão facilmente a materiais musicais como partitura e registos que a Constança disponibilizava.

Mónica Chambel: Constança Capdeville foi, sem dúvida, uma grande impulsionadora do meio musical nacional. Como pedagoga e compositora, marcou o panorama artístico português e as gerações seguintes de compositores e performers. A sua criatividade, erudição, empatia e presença são regularmente referidos por colegas e alunos, nos quais Capdeville deixou uma marca profunda, tanto a nível artístico, como humano.
As suas obras de teatro-música, de cariz visionário, enquadram-se hoje no desenvolvimento da multimédia e nas múltiplas formas de incorporação de disciplinas várias na criação artística. Este caráter visionário é realçado por António de Sousa Dias, ao referir que a exploração na época de territórios um pouco excessivos ou provocatórios comprova a atualidade e o espírito iluminado das propostas de Capdeville. E esta exploração e criatividade eram partilhadas com os seus alunos. Nas diferentes instituições por que passou, são inúmeros os testemunhos de alunos que conviveram e aprenderam com a compositora e que referem a marca que esta lhes deixou. Emanuel Frazão relembra que Capdeville os desafiava a procurarem uma forma original e inovadora de se relacionarem com a criação musical, Sérgio Azevedo refere a sua capacidade de ler a alma dos alunos e a sua atitude pedagógica livre e impulsionadora da criatividade e Olga Prats recordava a abertura a todos os meios capazes de funcionarem como expressão. Para Maria João Serrão, depois da aproximação feita por Capdeville entre o teatro e a música, o meio artístico nacional mudou.
Compositores como António de Sousa Dias, Carlos Alberto Augusto e Miguel Azguime absorveram muitos dos pressupostos de Capdeville, nomeadamente no que concerne a utilização do som e dos cânones e a procura por uma maior liberdade em palco. Através de uma pesquisa que integra as novas tecnologias na articulação do som com a imagem e performance, têm desenvolvido novas formas de teatralização da música e do som.
No entanto, para Maria João Serrão, o trabalho de Capdeville tem maior influência no teatro e destaca grupos de teatro independente como A Cornucópia e O Bando como bons exemplos de integração da música no teatro. Olhando para o desenvolvimento desta integração, é na obra de Ricardo Pais que encontramos uma participação mais efetiva e estruturante da música assim como das artes plásticas no espetáculo teatral construído a partir da encenação, segundo os princípios enunciados por Lehmann. Nas suas obras da primeira década do século XXI, o culminar de todo este desenvolvimento, Pais cruza a fala, o canto, a dança, o vídeo e a música, exaltando todos os jogos de equívoco de que o teatro nunca parece saciar-se. Para o criador, o teatro é uma experiência multidisciplinar, rica em contrastes, na qual a música tem uma missão unificadora. À data, continuam a surgir projetos criativos que se têm afirmado por uma posição de rutura e que privilegiam o cruzamento disciplinar na construção do espaço cénico e musical.

· A pianista Olga Prats disse: «a Constança caiu de outra galáxia e esteve cá pouco tempo. A música portuguesa não estava preparada para ela, agora é que falam dela, alunos dos alunos, o que fazia a Constança. Mas é preciso que se reavive os espectáculos dela. Tinham uma luminosidade e uma variedade, com a música no centro… não era só movimento, da música é que saía o movimento»20. Como reavivar a obra de Constança Capdeville? ·

António de Sousa Dias*: Dito com um sorriso, diria que a obra de CC se pode reavivar da maneira mais simples: tocando-a, divulgando-a e estudando-a.
A sua obra não é apenas um conjunto de peças: é também uma atitude que importa perpetuar, não como uma figura que se comemora, congelando-a no tempo, mas como uma atualização em permanência, ativando-a.
Quero com isto dizer que me parece que no final do séc. XX musical português, a Constança Capdeville seria uma das figuras claramente com mentalidade de séc. XXI. A consciência do espetáculo como veículo privilegiado de uma expressão musical assente na confluência de meios, a complexidade expressa numa articulação dinâmica entre componentes onde estes interagem e se codeterminam e não numa dependência hierárquica e falsamente determinista, a abertura àquilo que hoje é aceite como sendo performance, fazem da Constança e da sua obra um ponto de passagem obrigatório para compreender a «Luminosidade Constança».

João Paulo Santos**: Entre 1980 e 1984 estive em Paris com uma bolsa de estudo, mas normalmente nas minhas passagens por Portugal tinha longas conversas com CC. Precisamente dois dos temas que eram recorrentes são muito elucidativos da minha relação com CC e da importância que a mesma teve na música no nosso país.
Uma das acesas discussões que tivemos tinha que ver com o modo como CC escrevia as suas partituras. Critiquei-a muito por escrever sempre a contar com a leitura pessoal do intérprete que era sempre muito próximo dela e de quem ela conhecia sobejamente as qualidades e defeitos. A escrita era tão «personalizada» que temia – e tenho hoje a confirmação de que eu estava certo! – que no futuro se perdesse o «modo» de interpretar a sua obra. Era difícil apenas pela partitura imaginar a dose de «Constança» necessária a fazer viver as suas ideias. Várias vezes o verifiquei, nomeadamente quando numa repetição de “Libera Me” (1979) num Festival dos Capuchos, não Jorge Matta, mas um maestro húngaro estava positivamente perdido com o que devia fazer com a partitura. Lembro-me de me chamarem para, como intérprete da parte de piano, tentar passar o mode d’emploi necessário para descodificar todos aqueles sinais misteriosos e, no fundo, nada objetivos. Mais recentemente juntamente com António de Sousa Dias (outro iniciado nos Mistérios Constancinos!) conseguimos dar vida ao “Tibidabo” (1989) deixado incompleto por CC. De certeza que não cometemos nenhum sacrilégio no que «inventámos» ou «supusemos» …
O outro grande tema de discussão estará até na origem da criação do ColecViva (de que não fiz parte) e consequentemente da composição do “Don’t Juan” (1985). Se não estou a inventar, a minha memória diz-me que CC tinha recebido a encomenda de uma obra (preferencialmente sob forma de uma ópera) para os Encontros de Música Contemporânea – a quem ela chamava ironicamente os «ENCONTRÕES de Música Contemporânea», tal era o seu desagrado com o ghetto em que eles punham a criação contemporânea dentro das temporadas da Fundação Calouste Gulbenkian. Eu representava para Constança Capdeville o lado da ópera, com toda a má fama que o género ainda tinha nesses anos. Uma ópera presumia um libreto, pelo menos um tema. Lembro-me de achar que a Constança Capdeville habilmente fugia de onde eu a tentava encurralar – como eu teria gostado de ver o génio músico-teatral de CC criar um espetáculo, por muito diferente que fosse, que se pudesse classificar como ópera. Confrontos, sugestões – lembro-me de lhe falar na “Prinzessin Brambilla” de E.T.A. Hoffmann, obra sobre os duplos, as imagens e os reflexos que lhe eram tão queridos – intermináveis e amigáveis discussões… O que saiu foi o conceito de um grupo (música, texto, voz, dança, luz) que correspondesse aos seus desejos estéticos.
Não sei o que fazer hoje para promover a descodificação do seu modo de escrever junto de gerações que a não conheceram. Foi decerto uma figura central para o desenvolvimento da ideia do que é ser músico, do que é fazer música, para os que privaram com ela sobretudo dos anos 70 até à sua morte. O seu modo de escrever é problemático, mas hoje, com tantas possibilidades técnicas diferentes, talvez se possa encontrar uns «auxílios» visuais que clarifiquem a grande participação do gesto, da postura, da presença de um músico quando interpretar Constança Capdeville.

Maria João Serrão: Tanto pela personalidade como pelas obras criadas não se esquece facilmente o contributo que foi dado pela Constança Capdeville ao nosso meio cultural/artístico. Ela não servia os objetivos estéticos ou musicais da época, mas recriava os seus próprios objetivos, como cremos que é hoje do reconhecimento geral porque a autenticidade vivia consigo própria. Quem quisesse ouvir ou encomendar uma criação a Constança, fosse de que género fosse, teria de manter uma atitude de expectativa, uma curiosidade que só seria satisfeita no momento da apresentação. Esta forma de ser, contudo, não a impedia de ouvir ideias, sugestões de quem a rodeava e em quem confiava por amizade ou pelo valor artístico que lhes reconhecia, mas o resultado seria sempre imprevisível na sua globalidade.
Este pensamento vem ligado à pergunta: «Como reavivar a obra de Constança?»
Por várias vezes tenho ouvido da parte de profissionais da música ou do teatro manifestarem o desejo de encenarem obras da compositora, mas, em simultâneo, apontarem algumas dificuldades em o concretizar. Não é impossível, mas é difícil sobretudo se a pretensão é a de aproximar estreitamente aquilo que foi encenado pela Constança. Poder-se-ão focar algumas dessas dificuldades, mas uma das que me parece colocar mais travões é o facto das intermitências de excertos de uma obra integradas na outra, ou a alteração da ordem de certas intervenções, ou ainda a inclusão de novos elementos não previstos durante os ensaios e que nem sempre constam da partitura original.
Não era minha intenção exagerar nesta observação que surgiu à medida que fui estudando as partituras de C. C. enquanto preparava a minha tese de doutoramento, e pude consultar não só as partituras, mas também as indicações manuscritas dos planos prévios, o mapa das intervenções de toda a natureza de que constam as obras, os desenhos, as citações, etc. Mas confio que ainda será possível alguém individualmente ou em grupo desenvolver um projeto com intenção de «reavivar a obra de Constança», de preferência talvez enquanto ainda estiverem connosco os artistas e/ou os musicólogos que trabalharam diretamente com ela e se dispõem a desenvolver esta missão desafiante.

Mónica Chambel: A dificuldade de interpretar as obras de Constança Capdeville prende-se, essencialmente, com a dispersão e complexidade dos materiais e com a falta de registos. Embora a consulta dos materiais escritos da compositora seja de fácil acesso, a performance de algumas das suas obras é de abordagem mais complexa. A existência de partituras com notação musical não convencional ou figurativa e sem uma articulação clara entre as diferentes partes, a complexidade de articulação dos vários elementos envolvidos e problemas relativos à localização de parte dos materiais necessários à apresentação, dificultam bastante a performance. Há inclusivamente algumas obras que não são interpretadas desde a sua estreia. Por estas razões, são também quase inexistentes gravações comerciais.
Penso que o reavivar da obra de Capdeville passa, agora, por duas vertentes, a investigação e a performance. Nos últimos anos houve vários investigadores que se debruçaram sobre Capdeville, nomeadamente a nível de questões biográficas (Serrão 2006; Ferreira 2007), de recuperação dos materiais de reprodução eletrónica, principalmente as fitas magnéticas (Magalhães 2016; Magalhães e Pires 2018) ou que propõem enquadramentos performativos concretos para algumas das suas obras (Sousa Dias 2012; Benetti et al. 2019; Marinho et al. 2020). Todas estas pesquisas permitem imergir no universo criativo de Capdeville, reavivar o interesse nas suas obras e podem inclusivamente apontar caminhos para a performance, uma vez que dão a conhecer e cruzam informações provindas de várias camadas. E a investigação também é importante porque conhecer o espólio da compositora e recolher memórias é fundamental para a recriação, uma vez que os apontamentos da compositora e dos intérpretes são importantes fontes de informação para a construção de uma visão global das obras.
Por outro lado, é necessário que as obras voltem a ter presença nos palcos nacionais. Tal como disse Sérgio Azevedo, vai ser um trabalho monumental recriar estas obras, montar estes puzzles, mas a investigação pode ajudar a suprimir as lacunas de informação nos materiais disponíveis. Aliás, para João Paulo Santos, este lado que Capdeville deixou por definir deve funcionar como um ato de estímulo e as obras podem ser recriadas de outras formas. O potencial dos materiais de Capdeville é imenso e a sua intermediação emerge como um locus multivalente de possibilidades criativas na performance, como elemento gerador. Uma vez que alguns dos materiais estão degradados ou desaparecidos, o desafio performativo é maior, mas existe espaço para a recriação e reinterpretação dos mesmos. Na verdade, parafraseando Capdeville, entre performers e investigadores, «chegou o momento em que estamos todos a trabalhar para o mesmo».
No entanto, acrescento ainda uma terceira vertente que penso ser importante para o reavivar das obras da compositora: a edição das suas obras. Esta tarefa será bastante difícil dado os tipos e formatos dos materiais existentes (desde notas e papeis soltos, a recortes e fitas magnéticas), mas iria tornar as obras mais acessíveis para os performers. É necessário perceber de que formas os materiais poderiam ser editados uma vez que não existindo edição, as obras dificilmente circulam entre músicos e, portanto, não chegam ao público.

Sérgio Azevedo: A obra da Constança tem a particularidade, como, aliás, outras da mesma época têm, de ser muito improvisada, muito trabalhada no momento com os intérpretes, não só a nível do teatro musical, mas também em obras mais «tradicionais», digamos assim, e com uma escrita mais rigorosa tal acontece. Ela trabalhava com os intérpretes, modificava no momento coisas que, noutro concerto, poderiam ser feitas de outra forma até, mas que ela sabia como poderiam ser feitas, tal como os músicos que com ela trabalharam sabiam. Tristemente, e como é típico em Portugal, 30 anos depois da sua morte, ainda quase nada está publicado em termos de partituras revistas, anotadas, recopiadas em software de notação musical de forma a permitir que a música circule, pois é isso que se pretende. Sem a circulação da obra, não existe obra. É como querer admirar um quadro que está escondido na reserva do museu. O quadro deve ser exibido, quer permanentemente, quer em exposições itinerantes ou outras, e a música tem que ser tocada em concerto, gravada também, mas, essencialmente, tocada ao vivo. Principalmente até porque, no caso da Constança, e como referi antes, o aspeto teatral, espacial, a beleza do gesto dos intérpretes, estão intimamente ligados à música em si, e esta perde – como, aliás, todas perdem, mas umas mais do que outras – grande parte do seu aspeto encantatório ao ser reduzida a uma fria gravação. Assim, e independentemente do valioso trabalho de investigação pura, musicológica, biográfica (outro aspeto que falta muito no caso da Constança, principalmente em relação aos seus primeiros anos) e outra, a preparação de partituras com vista ao concerto parece-me essencial para que a música da Constança volte a fazer parte ativa do meio musical português e internacional em vez de ser quase e apenas um nome, do qual se toca a “Caixinha de Música” (que, lá está, foi publicada e circula pelos alunos e professores) nos primeiros graus do piano e pouquíssimo mais…

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6. ESPECULAÇÃO

· Consegue imaginar a história de música em Portugal sem Constança Capdeville? ·

António de Sousa Dias*: Uma história da música em Portugal sem Constança Capdeville seria possível, mas seria uma outra história, certamente mais pobre e menos estimulante.
Constança Capdeville não teve apenas importância (e influência) pelas suas obras, mas sim como atuante na vida musical na qual participava (ver respostas anteriores). Aliás, após o seu desaparecimento, ela terá ficado um pouco marginalizada, durante um momento, apenas com fugazes aparições, mas que se espera agora que se tornem cada vez mais visíveis, quer pelos estudos musicológicos que se estão a realizar sobre a sua personalidade e obra, como pelo interesse renovado na fruição das suas obras, pela sua inclusão em concertos ou mesmo remontagem de espetáculos.
Felizmente, o seu legado estende-se para além de sucessões esparsas, num subtil entrosamento com a nossa realidade musical, nos seus anseios, nas suas promessas de futuro.

Filipa Magalhães: A história da música em Portugal sem Constança Capdeville seria certamente mais pobre. Capdeville é das figuras mais ecléticas e iconoclásticas que passou pela nossa história da música, diria mesmo é uma figura fascinante, mas a sua história ainda está por fazer. É uma compositora que nem sempre foi bem compreendida e poucas pessoas entendem ou conhecem o seu universo, acredito que talvez apenas aqueles que contactaram diretamente com ela o podem realmente compreender. Há pouco conhecimento sobre as suas obras, há uma tendência para se tocar sempre o mesmo repertório de Capdeville, mas isso é compreensível, porque as restantes obras, e refiro-me em particular às de teatro-música, não estão ainda em condições de ser tocadas, pois precisam de tratamento arquivístico. Há informação omissa, é necessário fazer um trabalhado com base numa "musicologia arqueológica" para unir as peças do «puzzle».
A maioria da documentação encontra-se dispersa ou está já perdida, este facto implica diretamente na recuperação da sua obra afetando, consequentemente, a própria performance, por isso é importante socorrermo-nos das pessoas que colaboraram com Constança Capdeville. Os testemunhos dessas pessoas, que relatam as suas experiências, ajudam-nos a entrar no universo da compositora, e foi esse o trabalho que procurei fazer na minha investigação doutoral. O tempo passa, os materiais vão ficando obsoletos, essas pessoas vão perdendo memórias e isso dificulta o trabalho de investigação, a montagem do «puzzle» e, por consequência, novo conhecimento sobre as suas obras.
As obras de teatro-música de Capdeville são complexas pois 'tocam' em diferentes esferas artísticas, conjugam vários elementos, não têm uma narrativa, mas várias, assentam em linguagens idiossincráticas e não-convencionais (partituras gráficas e prescritivas), questões de encenação difíceis de compreender através da documentação existente (e.g., guiões), não há quase gravações em vídeo, e isso facilitaria o processo de reconstrução destas obras. No entanto, não se pretende canonizar ou fixar estas obras de teatro-música, pretende-se devolver-lhes alguma coerência, sendo fiel à intenção da compositora, para as dar a conhecer à comunidade académica e não-académica, ao público, em suma à sociedade. Sabemos que este é um problema com muito do repertório após os anos 50 de século XX pelas especificidades que este apresenta. Ainda assim, é fundamental dar a conhecer o legado de Constança Capdeville, pois as suas obras continuam a colocar vários desafios aos musicólogos, aos arquivistas, aos músicos ou performers, entre outros.

Maria João Serrão: Parece-me evidente que o legado artístico da compositora Constança Capdeville, a sua carreira pedagógica e as suas intervenções nas áreas atrás mencionadas nos permitem afirmar que a sua influência na Arte e na Cultura foram de uma extrema importância para Portugal. Contribui para esta convicção a qualidade da personalidade musical de Constança Capdeville que a torna merecedora de estudos aprofundados pois ela contribuiu inegavelmente para o reconhecimento de uma originalidade e de uma contextualização da música portuguesa no âmbito da criação musical contemporânea europeia.
Além de usufruir de múltiplas qualidades ao nível da sensibilidade, deu exemplos de liberdade criativa e de uma imaginação sem limites, sempre baseada na sua autenticidade de ser humano. Estas caraterísticas foram de profunda influência tanto para grande parte dos seus alunos que disso dão testemunho, como para a maioria das pessoas que tiveram o privilégio de com ela conviverem, fosse a nível profissional ou pessoal. O seu exemplo ainda hoje demonstra ser válido, sobretudo para quem tem a oportunidade de penetrar mais profundamente naquilo para que nos tentou alertar sabendo que essa procura exige tempo e dedicação.
Várias reflexões de pensadores, musicólogos, filósofos ao longo do século XX que se ocuparam de temas relacionados com a música e as outras artes se aproximam, por vezes, das realizações cénicas de Constança Capdeville, dando-lhes um sentido que nem sempre encontraríamos sem essas chamadas de atenção. Essa circunstância também tem ajudado a que os portugueses interessados possam entender mais profundamente o sentido do legado que Constança nos deixou.
Um exemplo a este propósito são algumas palavras de Michel Poizat sobre a ópera: «É bem a função da música na ópera: servir-se da língua, a triturar, a trabalhar exaustivamente para a usar com outras finalidades que não a do simples significado do sentido: principalmente para emergir dela este objeto de prazer que é a voz».21
Ao valorizar o reconhecimento por tudo aquilo em que a compositora contribuiu para fazer evoluir a criação e a pedagogia nas áreas a que se dedicou, não podemos esquecer como outros nossos artistas também foram grandes inovadores e excelentes pedagogos que lutaram e continuam a lutar para que essa evolução seja o mais efetiva possível. A este propósito citamos igualmente o seguinte testemunho de Jorge Listopad:
«Constança Capdeville era o lugar fundamental e marginal; deixando intervir o mimetismo das forças antigas, mas produzindo o curto-circuito da álea grega do acaso, criou a vertigem. Disciplinada e espontânea, anárquica e emocional, em múltiplas combinações, esta portuguesa de origem catalã criou também uma atitude, uma moral. Far-nos-á falta no futuro e já nos falta hoje, um ano depois, no concerto-homenagem que se viveu em sua memória».22
Esse reconhecimento também foi concedido a Constança Capdeville pelo Governo Português que lhe atribuiu a Medalha de Mérito Cultural (outubro, 1990) e, a título póstumo, o grau de Comendador da Ordem Militar de Santiago da Espada (junho, 1992).

Sérgio Azevedo: Vou dizer algo que vai parecer, para mais vindo da boca, ou da pena, de um ex-aluno, colaborador e – dentro do possível – amigo da Constança, no mínimo um admirador fervoroso quer da compositora quer da professora e da pessoa, algo insultuoso, ou seja: embora a Constança tenha sido uma personalidade ímpar, e que tenha trabalhado as questões do teatro musical de forma continuada e até com bastante êxito de público, penso que a história da música em Portugal, nomeadamente a do século XX, se baseia em três figuras incontornáveis: Luiz de Freitas Branco, Fernando Lopes-Graça, e Jorge Peixinho. Sem menorizar nenhum dos outros compositores que tivemos, e talvez juntando a esta lista o nome de Emmanuel Nunes que, ainda assim, acabou por fazer a maior parte da sua vida fora do país, do ponto de vista histórico, de alcance e influência das respetivas carreiras e personalidades, estes são os três nomes absolutamente sem os quais não se poderia escrever a história da música portuguesa do século XX. Praticamente todos os restantes provêm de algum destes nomes, de alguma destas influências.
Porém, a História não é feita somente de Napoleão e Einstein, de Gandhi e Hitler, mas também de Chamberlain e Poincaré, de Glazunov e de Sorolla, e de muitos outros ainda menos relevantes historicamente, mas, muitas vezes, até mais interessantes enquanto personalidades, criadores ou pensadores. Satie será, certamente, menos importante do que Beethoven, mas a história da música ficaria bem mais pobre (e com menos graça…) sem ele. Nessa perspetiva, a pergunta, se entendida desta forma, ou seja, enquanto perspetiva da necessidade histórica, será respondida da forma como respondi. Se for colocada de outra forma, poderei responder, ao invés, que a Constança, não obstante uma obra relativamente reduzida em número de opus, e muito ligada ao teatro musical que várias vezes envolvia música que não a dela própria, pela sua criatividade, personalidade, originalidade, força espiritual da própria presença, e até pelo facto de ser uma das raras mulheres compositoras da nossa história musical, não só foi um nome imprescindível como a história da música ficaria mais pobre (e certamente menos interessante e com menos graça) sem a sua presença.

novembro de 2022
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Constança Capdeville · Playlist

· Constança Capdeville · “Caixinha de Música” (1952) · Olga Prats (piano) · [Miso Records · MCD 008] ·
· Constança Capdeville · “Visions d'Enfant: Quand je serai soldat; Maman, j'ai vu dans la lune; Humble danse des petits canards” (1958-1959) · Olga Prats (piano) · [Miso Records · MCD 008] ·
· Constança Capdeville · “Libera Me” (1979) · Coro Gulbenkian, Jorge Matta (direção musical) · [Portugalsom / Strauss · SP 4030] ·
· Constança Capdeville · “In Somno Pacis (One For Nothing)” (1981) · Opus Ensemble: Ana Bela Chaves (viola), Bruno Pizzamiglio (oboé), Olga Prats (piano), Alejandro Erlich Oliva (contrabaixo) · [Portugalsom / Strauss · SP 4030] ·
· Constança Capdeville · “Amen para uma ausência” (1986) · Pedro Wallenstein (contrabaixo) · [Miso Records · MCD 008] ·
· Constança Capdeville · “Valse, Valsa, Vals; Keuschheits Waltz…” (1987) · Olga Prats (piano) · [Miso Records · MCD 008] ·
· Constança Capdeville · “Di lontan fa specchio il mare” (1989) · Powertrio (Eduardo Raon [harpa], Joana Sá [piano], Luís Martins [guitarra]) ·“Di Lontan” · [Clean Feed/ Shhpuma Records · CF356CD/SHH018CD] ·
· Constança Capdeville · “La Prose du Transibérien et de la Petite Jeanne de France” (1989) · Manuel Cintra (recitante), Nuno Vieira de Almeida (piano) · [Miso Records · MCD 008] ·
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NOTAS DE RODAPÉ

* Nota · António de Sousa Dias: Algumas referências que utilizo aqui (como indicações para «consumo interno»):
· Magalhães, Filipa (2020). “A obra de Constança Capdeville: itinerários artísticos, sociais e afetivos”. Azevedo, A. F., Furlanetto, B. H., Duarte, M. B. & Augusto, C. A. (eds.) (2020). Geografias Culturais da Música, do Som e do Silêncio. Guimarães: Lab2pt, pp. 275-300.
· Serrão, M. J. (2006). “Constança Capdeville – Entre o Teatro e a Música”. Edições Colibri.ISBN: 9789727726707.
· Serrão, M. J. (2010). “Capdeville, Constança”. Salwa el-Shawan Castelo-Branco (ed.), Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX. Lisboa : Círculo de Leitores/Temas e Debates.
· Sousa Dias, A. (2012). “Algumas considerações em torno da obra de Constança Capdeville”. Revista Glosas 6, Setembro 2012, p. 34-37.
· Sousa Dias, A. (2020). “ColecViva: «teatro-música» como performance”. C. Madeira; F. M. Oliveira; H. Marçal (Eds.) (2020) “Práticas de Arquivo em Artes Performativas”, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, pp. 303-321. ISBN-13 (15) 978-989-26-1954-5; doi 10.14195/978-989-26-1954-5; versão em linha: LIGAÇÃO.

** Nota · João Paulo Santos: Não tenho certeza de nenhuma das datas que menciono. Muito longe da realidade não estarão, mas…

*** Nota · Pedro Wallenstein: Ao longo do período em que trabalhei com a Constança (mais ou menso 1987-1992) nunca houve lugar a conversas «teóricas» ou a demonstrações de erudito contexto; o que ela propunha eram catalisadores do ato criativo que, em si próprios, eram o objeto da reflexão e a mola do gesto artístico.
O que mais me marcou e ficou, foi a dinâmica de trabalho de grupo que sabia imprimir a cada projeto: total liberdade de propor e intervir, sem nunca ceder o seu papel regulador (uma das minhas frases favoritas: «Isso é muito bom… mas não me funciona…»)
A maior parte das respostas que conseguirei dar ao proposto Questionário são sobretudo de origem vivencial e pragmática e, por isso, necessariamente subjetivas.

1 Maria João Serrão, “Capdeville, Constança” em: Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX, volume I (A-C), direção de Salwa Castelo-Branco (INET-md), Círculo de Leitores/ Temas e Debates, Lisboa 2010, p. 236.
2 Mário Vieira de Carvalho, “Prefácio” em: Maria João Serrão, “Constança Capdeville. Entre o Teatro e a Música”, Colibri – CESEM-UNL, Lisboa 2005, p. 11.
3 Maria João Serrão, “Constança Capdeville. Entre o Teatro e a Música”, Colibri – CESEM-UNL, Lisboa 2005.
4 Gil Miranda, “Constança Capdeville” em: “Dez Compositores Portugueses. Percursos da Escrita Musical no Século XX”, coordenação de Manuel Pedro Ferreira, Dom Quixote, Lisboa 2007, p. 308.
5 Filipa Magalhães – comunicação pessoal.
6 Maria João Serrão, “Constança Capdeville. Entre o Teatro e a Música”, Colibri – CESEM-UNL, Lisboa 2006, p. 17.
7 Filipa Magalhães – comunicação pessoal.
8 Filipa Magalhães, “A obra de Constança Capdeville: itinerários artísticos, sociais e afetivos”, em: “Geografias Culturais da Música, do Som e do Silêncio”, editado por Ana Francisca de Azevedo, Miguel Bandeira Duarte, Carlos Alberto Augusto e Beatriz Helena Furlanetto, 275-299, Braga, Portugal: Laboratório de Paisagens, Património e Território da Universidade do Minho/ Lab2.PT, 2020, p. 299.
9 Maria João Serrão, op. cit., p. 18.
10 Grupo formado em 1985 por Constança Capdeville para interpretar as suas obras de teatro-música. Constituído inicialmente por um pianista, um cantor, um contrabaixista, um bailarino e um mimo, a própria compositora atuava por vezes nos seus espetáculos.
11 Filipa Magalhães, “Reflexões em torno do teatro-música de Constança Capdeville”, “Dramaturgias 11” (2019): 88-102, p. 94, LIGAÇÃO.
12 Fragmentos de uma entrevista privada a Constança Capdeville, gravada por Maria João Serrão (janeiro, 1991).
13 Transcrição de excerto de entrevista realizada a Constança Capdeville e apresentada em “Percursos da Música Portuguesa – Constança Capdeville”, apresentado por Jorge Matta e realizado por Nuno Garcia para a RTP 1, 12 de novembro de 2008.
14 Filipa Magalhães, “«A música já não pode viver sozinha»: Da interação rumo à identidade na obra de Constança Capdeville”, PhD, Universidade NOVA de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, 2020, p. 281-82, LIGAÇÃO.
15 Olga Prats na entrevista à Vogue, cujos excertos estão disponíveis no site “Mulheres na Música Portuguesa” de Manuela Paraíso: LIGAÇÃO.
16 Conversa com Alejandro Erlich-Oliva conduzida por Filipa Magalhães em Lisboa, 2 de dezembro de 2018.
17 Virgílio Melo na entrevista dada ao MIC.PT em Maio de 2005 e conduzida por Miguel Azguime na sede da Miso Music Portugal (Parede): LIGAÇÃO.
18 Filipa Magalhães, “A obra de Constança Capdeville: itinerários artísticos, sociais e afetivos”, op. cit.
19 Palavras de Jaime Casal, aluno da Escola Superior de Música de Lisboa (ESML), via e-mail enviado no dia 13 de maio de 2022.

20 Olga Prats, op. cit.: LIGAÇÃO.
21 Michel Poizat, “La Voix du Diable. La Juissance Lyrique Sacrée”, Paris, Métailié, 1991, p.230.
22 Jorge Listopad, fragmento de um artigo publicado em Jornal de Letras, 1993.

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