Em foco

Vítor Rua


Questionário/Entrevista

Parte 1 . raízes e educação

Como começou para si a música e onde identifica as suas raízes musicais?

Vítor Rua: A música começou para mim da mesma forma que a música começou para o ser humano: escutando a natureza! A primeira música que existiu não foi composta ou improvisada, nem sequer foi tocada. Foi ouvida. As minhas raízes musicais surgem da escuta dos sons. De toda a sonosfera que me rodeava: das lâmpadas de néon ao gira-discos.

Que caminhos o levaram à composição?

VR: Sou de uma geração que aprendeu a tocar a ouvir e a escutar música. Mas o que me levou mesmo a querer ser compositor foi a leitura de um livro sobre Stockhausen em que ele descrevia como era um dia de trabalho dele. E quando li aquilo disse "eu quero ser como ele".

Que momentos da sua educação musical se revelam, hoje em dia, de maior importância para si?

VR: Aqueles em que eu aprendia por mim mesmo escutando outros músicos, fosse ao vivo, fosse em discos e da experiência de tocar com outros músicos. Foi raro o que eu aprendi de importante em escolas de música ou com professores.

Parte 2 . influências e estética

Que referências do passado e da actualidade assume na sua prática musical?

VR: As minhas referências, sejam do passado, sejam do presente foram sempre as mesmas: todo e qualquer estado sónico. Sempre aprendi imenso ao escutar sons. Todo o tipo de sons. Sons organizados e não organizados, sons tónicos e não-tónicos, sons acústicos, eléctricos ou electrónicos.

No seu entender, o que pode exprimir e/ou significar um discurso musical?

VR: A música não é uma linguagem e muito menos universal. Tal como o humor ela não significa nada. O que as pessoas sentem ao escutar música é uma experiência singular e única ao receptor. A mesma música que faz uma pessoa chorar, pode fazer outra pessoa rir. As emoções que a música nos traz são idiossincráticas do receptor.

Existem fontes extramusicais que de uma maneira significante influenciem o seu trabalho?

VR: De um nascer-do-sol a um pôr-do-sol, uma cascata, as nuvens no céu, as estrelas, o mar, o vento, o deserto ou a selva, tudo isto são fontes inesgotáveis extramusicais que me influenciam na minha maneira de ser como músico e como pessoa.

No contexto da música de arte ocidental, sente proximidade com alguma escola ou estética do passado ou da actualidade?

VR: Numa fase inicial estive próximo do rock; posteriormente do minimalismo; mais tarde experimentei as músicas acusmáticas e concretas, a electrónica, o espectralismo e o serialismo. Na actualidade tento não dar importância nenhuma aos estilos musicais e sinto-me muito mais influenciado por uma “meta-tipologia”, na qual todas as experiências estilísticas musicais da minha vida se reúnem e se mesclam num só género que pretendo ter descoberto por mim e a que chamo “composições sobre improvisações meta-idiomáticas”.

Existem na sua música algumas influências das culturas não ocidentais?

VR: A existir na actualidade alguma influência na minha música é precisamente de músicas não-ocidentais, do canto sussurrado do Burundi ao canto Tuva, da música dos esquimós, à música Gagaku japonesa.

O que entende por “vanguarda” e o que, na sua opinião, hoje em dia pode ser considerado como vanguardista?

VR: Para mim o termo “vanguarda” nada alterou desde que me foi dado a conhecer: é toda a música que nos pretende trazer algo de novo através de experiências sensoriais que nos elevam o espírito e a consciência.

Parte 3 . linguagem e prática musical

Caracterize a sua linguagem musical sob a perspectiva das técnicas/estéticas desenvolvidas na criação musical nos séculos XX e XXI, por um lado, e por outro, tendo em conta a sua experiência pessoal e o seu percurso desde o inicio até agora.

VR: Nunca fui bom a imitar ou a copiar. Não consigo. Tenho dislexia em escutar e tentar reproduzir o que ouço. A minha linguagem musical no início era cheia de referências àquilo que eu escutava e ouvia outros tocarem. Até que isso simplesmente deixou de me interessar e passei simplesmente a fazer o que eu queria e me dava na real gana independentemente de estilos, épocas ou modas.

Há algum género/estilo musical pelo qual demonstre preferência?

VR: Não! Sou meta-estilista!

No que diz respeito a sua prática criativa, desenvolve a sua música a partir de uma ideia-embrião ou depois de ter elaborado uma forma global? Por outras palavras, parte da micro para a macro-forma ou vice versa? Como decorre este processo?

VR: Sou muito “conceptual” a compor: descubro algo muito pequeno (uma célula musical) e depois tento-a desenvolver o mais possível.

Como na sua prática musical determina a relação entre o raciocínio e os “impulsos criativos” ou a “inspiração”?

VR: Para mim “inspiração” é sentar-me numa cadeira com um lápis, uma borracha e um aguça e começar a escrever música num papel pautado ou milimétrico. Não acredito em “musas”! Acredito no suor do trabalho!

Que relação tem com as novas tecnologias, e em caso afirmativo, como elas influenciam a sua música?

VR: Uso o computador para a criação de música funcional (teatro, dança, cinema, vídeo, poesia, performance, etc.), mas não uso para compor. Uso tecnologia como instrumento musical (efeitos e processadores do som). Sempre fui fã da tecnologia como ferramenta criativa e inspiradora para a invenção de novos sons.

Defina a relação entre a música e a ciência e como esta segunda eventualmente se manifesta na sua criação.

VR: Uma não existe sem a outra. A minha música está repleta de exemplos em que estudo a ciência para depois compor. Um exemplo disso é por exemplo a minha peça Whistle & Piano em que reproduzo com o assobio as frequências da ressonância de duas notas contíguas do piano (intervalos de meio-tom).

Qual a importância do espaço e do timbre na sua música?

VR: Sempre que posso recorro à espacialização do som ao vivo através do uso da quadrifonia ou octofonia. O timbre é aquilo que me faz ser músico e que ao mesmo tempo sei o que é até mo perguntarem.

O experimentalismo desempenha um papel significante na sua música?

VR: Se por "experimentalismo" nos referirmos a experimentar coisas novas para criar música original, sim, desempenha.

Quais as obras que pode considerar como pontos de viragem no seu percurso?

VR: A já referida Whistle & Piano e a minha obra para piano What Time Is It?, bem como a obra que mais prémios ganhou na minha carreira como músico: Saxopera.

Em que medida a composição e a performance constituem para si actividades complementares?

VR: Eu sou improvisador e sou compositor, logo existe um ping-pong constante entre estas duas actividades que se complementam.

Parte 4 . a música portuguesa

Tente avaliar a situação actual da música portuguesa.

VR: É melhor não avaliar para não me acusarem de antipatriota. Mas para dizer algo positivo, creio que esta nova geração de compositores, será bem mais interessante que todas as outras gerações do passado (excepção à geração de luxo do Peixinho, Pires e Lima).

O que, em seu entender, distingue a música portuguesa no panorama internacional?

VR: Nada! Fazem tudo igual ao que se faz nos outros países, que por sua vez também fazem tudo igual ao que já se fez no passado.

No seu entender é possível identificar algum aspecto transversal na música portuguesa da actualidade?

VR: Não!

Como define o papel de compositor hoje em dia?

VR: O que distingue um compositor de um não-compositor é que o compositor escreve música.

Conforme a sua experiência quais as diferenças entre o meio musical em Portugal e em outras partes do mundo?

VR: Somos mais provincianos e temos a tendência a dizer que é bom tudo o que vem lá de fora e que é mau tudo o que temos cá dentro.

Parte 5 . presente e futuro

Quais são os seus projectos decorrentes e futuros?

VR: Como improvisador estou a trabalhar na actualidade num novo estilo musical que criei e que intitulo de “improvisações meta-idiomáticas” e que consistem em improvisações onde uso todo o tipo de idiomas na verticalidade e não na horizontalidade como fazia Zappa ou faz o Zorn. Como compositor uso essas improvisações meta-idiomáticas para estruturar composições para ensembles e orquestras. O meu médium preferido é a ópera ou teatro musical se preferirem.

Como vê o futuro da música de arte?

VR: Espero vê-la cheia de nada! Uma música onde o silêncio cubra o ruído existente à nossa volta. Um silêncio ruidoso ou um ruído silencioso. E isto não é poesia barata! É Ciência! O Dither noise – por exemplo – é um ruído silencioso!

Vítor Rua, Dezembro de 2016
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