Título Im digitalen Rausch
Autor Von Oliver Cech
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Em transe digital
O festival Europa em Cena na Studiobühne de Colónia começa em força com o Miso Ensemble de Lisboa
Na sua essência, a linguagem não faz sentido. Ela não é mais do que uma sucessão de sons, tão natural como o barulho do vento no trigo ou o crepitar dos grãos numa montanha de sal. É com uma coerência fora do comum que o Miso Ensemble de Lisboa segue este princípio na sua ópera multimédia “Itinerário do Sal”. É inimaginável um prelúdio mais prometedor do que este para o festival Europa em Cena, o encontro de teatro luso-alemão da Studiobühne. E isso porque afinal é desse aspecto que trata o festival: sondar os limites, e ultrapassá-los, no palco, o que por vezes só se consegue através da “incompreensibilidade” de cada um dos outros.
Estas fronteiras têm algo de robusto. Elas definem os hábitos de representação das pessoas de teatro e os hábitos de visualização dos espectadores – tal foi consequentemente reiterado pelo festival Europa em Cena nos seus 20 anos de existência. E por isso se torna ainda mais espantoso com que facilidade e força anárquica o “Itinerário do Sal” atira tais hábitos por terra. Numa mistura curiosa de pelo menos três línguas nacionais, o autor-compositor-actor Miguel Azguime coloca reflexões sobre a “ausência/ à revelia do autor” e o “alento do texto”, o qual “opera a forma do som interior”. Será que ele próprio leva a sério essa introversão de prestidigitador?
Através de uma performance genial, Azguime eleva a sua poesia altiva, para um outro patamar totalmente diferente. Aqui tudo se torna arte de arlequim. Movimentando os lábios de forma artística, o actor solta frases sobre o “autor ausente” (que comicamente se encontra no palco) em cascatas de som. Não se pode dizer que este autor esteja “no meio do silêncio”, no “contexto de estar calado”; ele cacareja e ronrona, ele parte com os dentes e ladra até rasgar a própria palavra até que ela se dissolve em prazer, mas também em terror. O abismo da loucura torna-se visível por detrás do vazio transparente das palavras.
Totalmente cablado
Não estará, com certeza, errado, quem associar esta descrição a Ernst Jandl. Porém, Azguime oferece Jandl sob ecstasy, em transe digital da velocidade. Com cabos ligados por todo o corpo, apoiado por três técnicos, ele torna visíveis as suas ruínas de palavras em tempo real, e passa-as na forma de letras chamejantes e flutuantes num ecrã gigante. Só o brilhantismo da técnica, a perfeição e a originalidade dos desabamentos ópticos e acústicos já fazem desta representação de uma hora um espectáculo a ver. Foi uma noite de abertura forte, divertida para um festival de teatro que quer ultrapassar as barreiras da língua.
Olivier Cech in KÖLNER STADT-ANZEIGER - Nr.60 -12.03.2007
Tradução do alemão Beatriz Medeiros da Silva
Título Im digitalen Rausch
Tipo Jornal
Páginas 1
Autor Von Oliver Cech
Data 2007/Mar/12
Título Tradução Em transe digital
Tradutor Beatriz Medeiros da Silva
Observações
Acesso