Título do documento Meditações Inquietas sobre um Dia de Abril
Data de Composição· 1977
Núm. Catálogo Op. 50
Instrumentação Detalhada
Categoria Musical Música de câmara (de 2 a 8 instrumentos)
Instrumentação Sintética Quarteto de Cordas
Notas Sobre a Obra
Em 1977, a revolução avançava em Portugal, concretizando acções marcadas pela esperança numa sociedade melhor, embora também cometesse erros que a todos provocariam natural preocupação. As revoluções são assim, generosas e lúcidas, por um lado, irreflectidas e injustas, por outro. E por isso, são tempos de exaltação e, simultaneamente, de inquietação.
São sobretudo tempos em que convém meditar sobre as coisas que nos rodeiam.
Eu encontrava-me em Viena quando comecei a escrever um quarteto de cordas - que era um velho desejo meu - e a música que ia surgindo reflectia de certo modo esse estado de espírito, particularmente virado para a reflexão.
Contudo, as transformações de múltiplas ordens que agitavam o país - e até uma opinião pública estrangeira naturalmente atenta ao processo - pareciam perder todo o seu significado ou mesmo a própria existência, esvaíam-se numa fumarola imperceptível no ramerrão quotidiano que se vivia nalgumas representações diplomáticas portuguesas onde o 25 de Abril não passava de mais uma data do calendário anual.
Numa manhã de 25 de Abril do ano em que eu compunha este quarteto, aconteceu passar por uma embaixada do nosso país onde verifiquei que nem sequer se fizera feriado e até se optara por convidar para um almoço oficial nesse dia o embaixador do Chile de Pinochet...
Nunca fui muito dado a efemérides festivas, mas esse acto indubitavelmente provocatório fez-me sentir que não bastava pensar, meditar, filosofar sobre a liberdade: seria também necessário agir, fazer algo que correspondesse ao sentimento de respeito que nos mereciam as diversas emoções desencadeadas pela revolução, fossem elas de esperança e de euforia ou até de angústia e de cepticismo.
A arrogante indiferença manifestada pela representação diplomática portuguesa surgia-me como algo de inaceitável que seria imperioso denunciar através de um protesto claro e correspondentemente provocatório.
E dentro da minha linguagem musical, essa reacção reflectir-se-ia naquela espécie de marcha popular que surge inesperadamente, com algo de triste na melodia, mas envolvendo ao mesmo tempo um certo espírito de inconformismo e de revolta.
A partir daí, aquilo que deveria normalmente chamar-se apenas Quarteto op. 50, passou a intitular-se Meditações inquietas sobre um dia de Abril.
António Victorino d'Almeida