Autor do Texto Alberto Caeiro
Título do Poema ou Texto -
O único poeta da natureza – três esboços a partir de Caeiro
Esta obra constrói-se a partir de excertos de Alberto Caeiro explorando três lógicas "narrativas" distintas, expressas nas diversas formas com que estão musicalmente assumidos os vários fragmentos. O título geral da peça é ele próprio um fragmento de um poema de Caeiro. É também a frase com que termina a obra. Tanto como os poemas, também esta música se pode caracterizar pela predominância de afirmações cruas e essenciais, numa lógica que recusa o desenvolvimento, a argumentação ou o artifício, raramente recorrendo a soluções de progressão ou continuidade. Os três espaços distintos – esboços – em que a peça se articula têm, cada um deles, a sua própria lógica e são em grande parte respostas a algumas das principais características dos poemas.
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esboço I está construído à volta de um poema muito breve, paradigmático. As suas duas afirmações contrastantes resumem muito bem a perspectiva de Caeiro. Alguns sons mais característicos e quase onomatopaicos retirados das palavras do poema (as consoantes “v, s, f, p” por exemplo, ou as vogais “u, a”) são pontos de partida para a criação de sonoridades, ambientes e texturas. Sobre estes, vão-se articulando as palavras, num registo geral sempre mais próximo da fala ou do sussurro, do que do canto. Esta simplicidade de ideias e processos rima de alguma forma com o lado assertivo e desconcertante da linguagem de Caeiro, para alem de toda a retórica e metafisica. As coisas são o que são.
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esboço II é constituído por uma sequência de momentos breves, cada qual com o seu ambiente específico. Embora se sucedam sem paragens nem respirações, não existe aí qualquer perspectiva de continuidade, tanto na forma como se encadeiam, como na ausência de contaminação de uns pelos outros. As escritas e texturas são muito diferenciadas, de fragmento para fragmento, assumindo de forma muito crua e linear o sentido de cada verso.
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esboço III é uma colagem de diversos excertos, quase todos muito breves – por vezes apenas uma frase isolada – que traduzem afirmações muito primárias e essenciais, marcando cada uma delas o seu próprio espaço e carácter. A escrita coral procura organizar esses momentos individualizados, criando alguns elementos de introdução e de ligação, de modo a estabelecer um contexto e uma base para que os versos isolados possam brilhar sobre tudo o resto.
Apesar da particular lógica interna de cada um dos esboços, há por toda a obra diversos dados recorrentes que assinalam a cor geral da peça no seu todo (jogos intervalares, matérias harmónicas, texturas, tratamento de registos, perspetivas lineares…).
Não obstante, por detrás desta escrita poética e musical tão despida e essencial, há nesta obra a procura de algum encantamento e magia. Como se as palavras, as coisas, as sensações, valessem por si. Sem mais. Tal como os sons.
Fernando C. Lapa