Illuminations foi escrita para orquestra de câmara com uma instrumentação convencional (com excepção de dois clarinetes que dobram em clarinete baixo) entre Outubro de 2015 e Março de 2016, e foi estreada pela Orquestra de Câmara Portuguesa sob a direcção de
Pedro Carneiro, a quem a peça é dedicada, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, a 24 de Abril de 2016.
O seu único material é um espectro teórico, harmónico e sub-harmónico, de alguma forma “sintetizado” pela orquestra. Ao contrário de muitas das minhas obras recentes, nas quais diferentes modelos ou objectos sonoros são transformados um no outro, aqui um único objecto sonoro é submetido a múltiplas metamorfoses. Diferentes pontos de vista e perspectivas deformam-no e fazem-no percorrer uma viagem sem retorno, de um lugar até outro através de diferentes estados do material harmónico. A peça divide-se em várias secções que se sucedem sem interrupções.
A primeira secção sobrepõe o espectro harmónico e sub-harmónico; uma segunda secção “congela” um certo estado do espectro e “varre” lentamente os seus parciais. Esta segunda secção conduz a um
intermezzo, um tipo de “murmurando” durante o qual um verso de um poema é sussurrado pelos sopros, seguindo-se uma terceira secção, tal explosão de energia que se constrói a partir da ilusão acústica de
Shepard, infinitamente, em sobrepostos
glissandi ascendentes. Esta terceira secção dissolve-se em sucessivas repetições, todavia sujeitas à erosão até à permanência exclusiva de uma
tenuta no registo mais grave, espécie de fundamental virtual do espectro de toda a peça.
Em seguida, tem lugar uma quarta secção que é construída num contraponto de várias configurações morfo-temporais do espectro original, geralmente
espressivo, mas que é súbita e inesperadamente interrompido. Finalmente surge uma quinta e última secção, suspensa no tempo, como se nunca terminasse. No final, o murmúrio dos tímpanos a nu.
O título
Illuminations também carrega um sentido poético, reunindo a minha actividade de poeta com minha actividade composicional, e a peça tem no seu núcleo um pequeno verso sussurrado pelos instrumentistas de sopro: “O assombro de ti está em todos os lugares”. “Ti” pode ser com uma letra pequena ou letra maiúscula para expressar o amor humano ou o amor de divino, de acordo com o desejo e crença de cada um, mas em ambos os casos numa busca metafísica para a iluminação.
No final, o tempo suspende-se eternamente... mas, como na vida, inevitavelmente é interrompido.
Miguel Azguime, 2017