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Filipe Lopes Em Foco em Abril


Filipe Lopes nasceu em 1981, no Porto. É compositor com fortes afinidades com a música electrónica e novas tecnologias. Tem desenvolvido trabalho na área da composição de música electroacústica e instalação multimédia, colaborando ainda no âmbito do cinema, teatro ou video-instalação. Em 2012, foi um dos vencedores do prémio Cri.D.A. organizado por Guimarães – Capital Europeia da Cultura, e em 2013 vence o prémio europeu ECPNM para obras de música electrónica em tempo real, com uma peça onde usa o software desenvolvido por si “Do Desenho e do Som”. Fez parte do Factor E, a equipa de educadores residentes do Serviço Educativo da Casa da Música, onde foi também “curador” do projecto Digitópia. É doutorado em Media Digitais, pela Universidade do Porto e UT Austin. Além do trabalho criativo e pedagógico que combina música e novas tecnologias, é professor convidado da Universidade de Aveiro, investigador no INET-Md e responsável pelo projecto educativo da Orquestra de Jazz de Matosinhos.

No questionário que se segue, Filipe Lopes responde a questões sobre o seu percurso e formação, as suas ideias sobre estética, linguagem e prática musical, a sua relação com novas tecnologias e o que pensa da música da actualidade.

Um compositor que considera que "o papel do compositor é ser curioso, não é apenas ser um 'fazedor' de música." Um artista e investigador para quem compor é "uma forma de pesquisa, de emancipação e, sobretudo, (...) uma forma de exercer liberdade".


Questionário/ Entrevista

Parte I - raízes e educação

Como começou para si a música e onde identifica as suas raízes musicais?

Não consigo precisar quando me comecei a interessar por música embora tenha na memória uma espécie de mini-metalofone com uns bichinhos. Não sei porque tenho isso na memória mas talvez me tenha despertado interesse pela música. O ingresso na Banda Marcial da Foz do Douro foi o primeiro momento mais sério já que usufrui das aulas de solfejo e me enfiaram nas mãos um trompete (apesar de ter pedido para aprender guitarra). A entrada na Escola de Música Óscar da Silva, em Matosinhos, foi o momento seguinte e esse já com todas as características formais: as aulas de trompete, formação musical, análise, composição, história da música, entre outros. Paralelamente comecei também a tocar em bandas, sobretudo numa banda funk, e julgo que o meu interesse pelo ritmo é fruto dessas experiências e dessa música. Já ouvia muito jazz, música brasileira (Caetano, Chico, Elis...) mas o funk do Maceo Parker, por exemplo, deixava-me entusiasmado. Quando chegou a hora de tomar decisões sobre os estudos superiores, sabia que não queria seguir trompete porque já nutria uma relação de amor/ódio pelo instrumento. Queria ficar mais livre e, como ainda hoje e como tantas outras vezes aconteceu, deixei o “vento” tomar a decisão por mim e fui para a Escola Superior de Educação do Porto estudar Educação Musical. Os primeiros contactos auditivos com música erudita contemporânea foram feitos lá, ouvindo música do Emanuel Nunes. As minhas raízes musicais são, assim me parece, uma mescla de influências mais ou menos académicas (obras clássicas) e de noites/viagens a ouvir música que iam desde a bossa nova, aos blues ou ao funk, contudo, julgo que essas raízes têm pouca influência naquilo que componho.

Que caminhos o/a levaram à composição?

A vontade de querer aprender a compor cresceu durante os ensaios das bandas rock e funk, onde cada composição musical era, frequentemente, verdadeiramente colaborativa. Um músico levava um riff, uma melodia, um efeito, uma palavra ou outra matéria-prima, e rapidamente o ensaio se tornava na composição e performance de música. Essa troca de ideias e o desafio de encontrar a harmonia, o ritmo e balanço “correcto” (i.e. groove), era muito estimulante. Por isso, quando terminei a licenciatura em Educação Musical, e carregando de lá algumas boas experiências de criação livre, quis seguir composição musical na Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo. Agradava-me muito a ideia de compor porque me permitia continuar a tocar guitarra e trompete, abria-me portas para desenvolver trabalho de criação livre/nova nas escolas, bem como era uma forma de aprofundar estudos sobre contextos musicais novos e contemporâneos. Tudo isso me levou para a composição musical e não, como acontece em muitos casos, a música de alguém em particular ou a possibilidade de estudar com determinado compositor.

Que momentos da sua educação musical se revelam, hoje em dia, de maior importância para si?

O primeiro foi o ingresso na ESMAE e a coincidência de ter ido para lá aquando da reformulação do curso de composição pelo Carlos Guedes. Depois, julgo que a ida para o Instituto de Sonologia foi o momento em que, definitivamente, decidi levar-me a sério. Abandonar o ensino de música nas EB 2,3 (i.e. salário) e a ida em Erasmus para Dartington já tinham sido passos importantes mas, com 27 anos, a ida para a Holanda estudar música electrónica foi muito importante. Foram tempos onde desenvolvi ideias académicas com profundidade, de grande aprendizagem técnica e, como costuma ser típico nestes casos, de transformação pessoal/humana. Finalmente, a ida para a Casa da Música teve um impacto forte porque descobri formas novas de pensar e trabalhar sobre música, conhecendo lá o Rui Penha e o Paulo Rodrigues, amigos por quem tenho uma profunda admiração.

Parte II - influências e estética

Que referências do passado e da actualidade assume na sua prática musical?

Se se tratar de música acusmática, talvez a música francesa que vem da tradição da música concreta tenha um impacto mais tangível. Se falarmos de música instrumental, a música espectral é para mim muito inspiradora embora não creio que se note vestígios evidentes nas minhas partituras, ou seja, gosto da exploração do som enquanto fenómeno acústico já que me permite um trabalho de criação apoiado na escuta. O emprego de algoritmos para desenvolver e criar material (i.e. música algorítmica) é talvez a referência mais evidente na minha música instrumental. Por fim, e naturalmente, a influência dos meus professores de composição (Luís Tinoco, Fernando Lapa, Clarence Barlow, Joel Ryan, Paul Berg e Carlos Guedes) tem um eco naquilo que produzo, como tem a música de compositores do passado como Bach. Ainda assim, o facto de fazer música para diversos contextos (teatro, acusmática, cinema, instrumental..) não favorece o estabelecimento de uma matriz na minha produção musical. Principalmente, tento ser permeável ao contexto e absorver dele ideias que possa desenvolver posteriormente recorrendo às técnicas que me parecem pertinentes. O Fernando Lapa dizia-me que a composição é uma actividade social e que nunca devíamos esquecer que escrevemos para pessoas e não apenas para nós. É também verdade que apesar de achar que a minha forma de compor é muito fenomenológica (i.e. intuitiva), não gosto de não saber explicar o que fiz e porque fiz. Saber explicar a minha música é uma forma de espelhar o meu raciocínio e uma forma de combinar teoria (e.g. técnicas mais ou menos convencionais de trabalhar elementos musicais) com atitudes fenomenológicas, por conseguinte, tenho também um “pezinho” na tradição alemã, aquela que defendia que a composição musical devia ser um exercício racional. Note-se, contudo, que não acho que a música tenha de se justificar. Nunca tive de justificar “a minha música” a ninguém e nem sequer me interessa tal coisa. Acho, porém, que explicar os meus interesses e a forma como os trabalho composicionalmente reflecte alguma maturidade. Não saberei explicar tudo mas a música não é para ser completamente explicada, perderia a piada!

Existem fontes extramusicais que de uma maneira significante influenciem o seu trabalho?

Regra geral, não. Se estiver a compor música para um filme ou para uma peça de teatro, por exemplo, é natural que me deixe contaminar por esse universo e pelas pessoas que o integram, aliás, no caso de filmes que sejam declaradamente narrativos, seria errado não me deixar influenciar. Contudo, o processo de compor música é muito íntimo e apoiado na escuta. Não costumo ir buscar inspiração à literatura ou a quadroas/imagens. O Carlos Guedes, um amigo com A grande e um prof. de composição influente na minha forma de estar na Música, numa das primeiras aulas, dizia-nos que o compositor de música electrónica é simultaneamente performer, compositor e ouvinte, e esta ideia para mim é muito importante e influente (talvez tenha sido por essa razão que desenvolvi laços fortes com a música electroacústica). Ser performer, compositor e ouvinte é para mim usufruir da liberdade necessária para poder tomar decisões sobre a composição, poder trabalhar a matéria-sonora in loco e, sobretudo, alavancar o meu trabalho composicional na escuta.

O que entende por “vanguarda” e o que, na sua opinião, hoje em dia pode ser considerado como vanguardista?

O termo “vanguarda” esteve desde sempre associado a quem vai na frente ou à frente de algo, e é um termo interessante na história da música do séc. XX. Por razões de proximidade com o assunto, fruto da conclusão da minha tese de doutoramento, acho que uma das áreas que me parece “vanguardista” é a área que relaciona música e espaço, ou seja, a composição musical que dá destaque (não apenas o revela) ou que confere ao espaço uma importância equiparável à harmonia, ao ritmo e ao timbre. Roger Reynolds, no início do séc. XX, falava da emancipação da harmonia, seguidamente do ritmo e seguidamente do timbre, prevendo que o espaço seria o elemento seguinte a emancipar-se na composição musical. Hoje em dia há cada vez mais literatura sobre o espaço e a música (não apenas textos avulsos aqui e acolá), mais produção artística que vai desde a composição mais convencional (i.e. uma peça) à instalação sonora, mais investigação dedicada as relações entre som e espaço e, sobretudo, cada vez mais possibilidades computacionais que permitem um trabalho criativo e musical com o espaço em tempo real. Sinto na coexistência destes fenómenos algum “vanguardismo”. Creio que nos próximos tempos, sobretudo à boleia das tecnologias computacionais cada vez mais acessíveis e baratas, iremos assistir ao aparecimento de interfaces cada vez mais robustos e com oportunidade de se enraizarem na prática musical. Não faz sentido que as orquestras e os ensembles não venham a incorporar todas essas possibilidades e que permaneçam fechadas ou indiferentes. O continuum fingerboard não é um instrumento barato mas espelha de forma inegável as vantagens do desenvolvimento de novos interfaces, as hipóteses expressivas que carrega e, sobretudo, o trabalho interessante que se poderá fazer sobre o timbre. Parece-me também evidente que a programação será uma aprendizagem comum nos próximos anos (veja-se projectos como o scratch). Muitas crianças hoje em dia já sabem rudimentos de programação e, portanto, parece-me natural que nos próximos tempo apareçam cada vez mais instrumentos/interfaces novos, interessantes e expressivos, dotados da possibilidade de serem programados.

Parte III - linguagem e prática musical

Caracterize a sua linguagem musical sob a perspectiva das técnicas/estéticas desenvolvidas na criação musical nos séculos XX e XXI, por um lado, e por outro, tendo em conta a sua experiência pessoal e o seu percurso desde o inicio até agora.

Acho muito difícil ter grandes expectativas sobre a música que irei compor além da que, muito provavelmente, irá integrar música electroacústica. A minha produção tem sido muito diversificada, influenciada pelas pessoas com quem trabalho ou pela música que oiço nesse período da minha vida, pelo que não creio que ter uma linguagem musical vincada. Não obstante, uso um conjunto de técnicas/métodos que são idiomáticos de determinadas escolas/universos, por exemplo, técnicas que têm a ver com a manipulação do som (e.g. síntese granular, síntese aditiva, o objecto sonoro, a captação e difusão de som em tempo real) ou o emprego de algoritmos (e.g. interpolação de materiais, variação de materiais) mas raramente faço as coisas da mesma forma e portanto, não creio que tenha uma linguagem ou estilo próprios. Não ter estilo, pelo menos por agora, é poder “reinventar a roda” e nesse processo descobrir coisas novas.

Há algum género/estilo musical pelo qual demonstre preferência?

Não tenho nenhum estilo preferido mas há estilos de música que não me interessa escutar. Ouço muita música e tento ouvir muitas coisas diferentes já que há sempre qualquer coisa para aprender e vislumbrar na música e no pensamento de outros compositores e músicos.

No que diz respeito a sua prática criativa, desenvolve a sua música a partir de uma ideia-embrião ou depois de ter elaborado uma forma global? Por outras palavras, parte da micro para a macro-forma ou vice versa? Como decorre este processo?

É raro começar por definir a macro-forma porque é o trabalho sobre a matéria-prima sonora que frequentemente me conduz à forma. Por um lado, tipicamente, o meu processo composicional inicial é caótico porque é um processo de descoberta de pontos de apoio de acordo com expectativas informadas. Vou tocar diferentes instrumentos, experimento alterar som digitalmente e de várias formas, ouço muita música, sintetizo sons, etc.... Quando encontro algo que me convence, então começo a trabalhar e a desenvolver essa matéria-prima e deixar que desse processo floresça a macro-estrutura. Por outro lado, desde que terminei o meu mestrado, onde desenvolvi um software que permite gerar partituras em tempo real, tenho também me interessado pela ideia de meta-forma, ou seja, estabelecer pontos de apoio sequenciais que têm determinadas características sonoras por onde os músicos devem passar e, sobretudo, operar as passagens entre esses pontos de apoio de forma estocástica.

Que relação tem com as novas tecnologias, e em caso afirmativo, como elas influenciam a sua música?

As tecnologias computacionais têm um papel absolutamente decisivo na minha música. Aliás, a minha prática musical e composicional tem uma relação muito próxima com os computadores porque o meu processo de criação é sobretudo apoiado na exploração livre do som e nesse sentido, o computador é uma ferramenta valiosíssima. Tento, todavia, ser cauteloso na forma como integro o computador e o software na minha música por saber que por vezes se trata de ferramentas que poderão exercer influência no resultado criativo, ou seja, ter consciência de que o software vem concebido por forma a privilegiar certas abordagens que, inconscientemente, podem influenciar e até alterar as premissas iniciais.

Qual a importância do espaço e do timbre na sua música?

Hoje em dia o espaço envolvente, ou seja, a conjugação da paisagem sonora e da arquitectura aural de um determinado local, assumem maior destaque na minha música. A razão de ser assim tem a ver com o doutoramento que concluí e no qual me debrucei sobre a composição musical com o espaço. O timbre, obviamente, nunca deixa de ser importante para mim já que é, porventura, um dos principais alicerces da composição musical acusmástica em colaboração com a escuta atenta, contudo, ultimamente tem assumido um papel secundário surgindo como consequência de razões que privilegiam o espaço.

O experimentalismo desempenha um papel significativo na sua música?

Gosto de pensar que a minha música não é experimental. Pode surgir da experimentação com materiais musicais e sonoros mas a determinada altura deixa de ser experimental porque tomo decisões concretas e, por conseguinte, não acho que a música que faço seja experimental. Gosto de sistematizar ideias e gosto de definir pontos de apoio sólidos, mesmo quando a música compreende momentos mais livres e que integrem o “aqui e agora”. Gosto de ter controlo sobre a evolução da música como também gosto de estratégias que confiram à música um carácter estocástico. Haverá lugar para discussão sobre o que é música experimental, no entanto, para mim, um dos aspectos que a define é a ausência de forma (i.e. a forma não é conhecida de antemão) e, nesse sentido, a minha música não é experimental.

Quais as obras que pode considerar como pontos de viragem no seu percurso?

BlackandDekker(2006), por ser a primeira obra acusmática que compus sozinho e que me valeu um prémio quando ainda era aluno de composição. Hoje em dia já não identifico nessa obra nada que goste mas vejo-a como a afirmação do meu interesse pela composição electroacústica. Grotox (2009), por ser a primeira experiência de composição musical verdadeiramente colaborativa e eclética. Não só foi um desafio composicional mas, sobretudo, uma aprendizagem sobre o poder que a Música tem nas pessoas. Breu(2010), porque foi o primeiro trabalho que fiz com o Jerónimo Rocha, um outro amigo com A grande, abrindo-me as portas para a composição musical para filme/imagem. The Trap (2011), porque inaugurou o trabalho que tenho vindo a desenvolver com a Mariana Tengner Barros, representando também a primeira experiência séria de composição musical para dança/movimento. Do Desenho e do Som #1 (2012), para clarinete e electrónica em tempo real, inaugurou uma série de peças onde tenho vindo a trabalhar com partituras gráficas geradas em tempo real. Tenho descoberto muitas coisas interessantes sobre expectativas, interpretação e composição musical com essas obras e, ainda para mais, já me valeu um prémio europeu. Tombe le silence dans le son (2014) é uma obra acusmática importante porque despertou-me a curiosidade pela exploração da reverberação, sobretudo pela interpolação de reverberações, e do contraponto entre som seco e som reverberado. Por fim, o Maquinista (2015) é uma obra relevante porque assegurou-me que a minha pesquisa de doutoramento estava no bom caminho e aguçou o interesse que tinha/tenho pela composição musical com o espaço.

Parte IV - a música em Portugal

O que, em seu entender, distingue a música portuguesa no panorama internacional?

Não acho que haja alguma coisa em especial. A nossa história musical, dos compositores portugueses, é sobretudo feita da absorção de influências da música italiana e francesa, entre outras, que em períodos diferentes assumiram maior ou menor destaque. Talvez por sermos um povo essencialmente permeável não sinto que exista uma “música portuguesa” e talvez seja por causa disso que observamos (e ouvimos) compositores portugueses a adoptar estéticas completamente contrastantes. Felizmente temos muitos compositores portugueses espalhados pelo mundo, criando e compondo música de grande qualidade e talvez isso é que importe referir, ou seja, o facto de termos e formamos compositores ao nível dos melhores do mundo.

No seu entender é possível identificar algum aspecto transversal na música portuguesa da actualidade?

Não me parece. Noto alguns focos de interesse pela música popular, pela música tradicional e pela integração dessas sonoridades em música nova, contudo, a composição musical é tão variada que me parece difícil haver aspectos transversais.

Como define o papel de compositor hoje em dia?

Acho que o papel de compositor hoje em dia é igual ao que sempre foi: compor música. Dito isto, acho que os compositores têm um papel importante na perpetuação da actividade da composição musical como uma forma de pesquisa, de emancipação e, sobretudo, como uma forma de exercer liberdade. O papel do compositor é ser curioso, não é apenas ser “fazedor” de música. É papel do compositor almejar o sublime e não replicar modelos sem critério ou criar música “que os outros gostem”. É papel do compositor ser cuidadoso e activo. Da última vez que entrei no O’culto da Ajuda, anunciava-me o Miguel Azguime que “este é um local livre, um local para se fazer música livremente”, e esse acho que é o papel principal do compositor: criar música livre e curiosa. Um outro pensamento que me ocorre, tem a ver com as expectativas da composição e do compositor. Sabemos que existem dificuldades grandes para termos a nossa música tocada de forma regular e é conhecida a fraca aposta da sociedade na música portuguesa “livre e curiosa”. Naturalmente há exceções como é o caso da Sonoscopia ou da Porta-Jazz, associações que apoiam e promovem a música portuguesa, mas que não têm as possibilidades financeiras e peso internacional das grandes instituições. Sem me querer alargar muito, o que deveria ser a regra é muitas vezes a exceção. Socialmente, o papel de um compositor em Portugal é continuar a estar atento e a denunciar a pouca aposta que existe na nossa música, mas também é arranjar forma de ter a sua música tocada e abandonar algumas ideias românticas da composição. Nesse sentido, e obviamente influenciado pela minha prática/experiência, abrir portas à composição de música para cinema, teatro e/ou dança, ou mesmo ter um papel de performer activo, é também uma forma de poder ter a música mais vezes tocada e apresentada em público. É papel do compositor actual ser mais plástico e ter a capacidade de se adaptar a diferentes situações/desafios sob pena de, como muitas vezes acontece, trabalhar meses numa peça para ser estreada e nunca mais tocada.

Parte V - presente e futuro

Quais são os seus projectos correntes e futuros?

Composicionalmente interessa-me a exploração da reverberação e o desenvolvimento de tecnologias que permitam trabalho em tempo real com o espaço envolvente. Interessa-me também o desenvolvimento de novos interfaces musicais, especialmente a ideia de criar instrumentos que sejam seres-vivos. Espero que o percurso como professor que iniciei este ano na Universidade de Aveiro, seja o início de uma história longa também ela de descobertas, de renovação e de evolução. Finalmente, ser coordenador do LabJázzica - o serviço educativo da Orquestra de Jazz de Matosinhos – é também motivo de alegria porque vou poder trabalhar e pesquisar sobre aspectos que envolvem música, educação, composição e novas tecnologias.

Poderia destacar um dos seus projectos mais recentes, apresentar o contexto da sua criação e também as particularidades da linguagem e das técnicas usadas?

A obra que estreei há pouco tempo, Variações sobre Espaço (2016) para saxofone soprano e electrónica em tempo real, tocada e encomendada pelo Henrique Portovedo, surge na senda do interesse que tenho pela exploração da interpolação de reverberações, bem como pelo contraponto som seco vs som reverberado. Nessa peça, no que concerne à parte electroacústica, apenas uso reverberação digital e diferentes formas de a modular. No que diz respeito ao saxofone, explicado de forma muito simplista, escrevi gestos que “iluminem” a reverberação e a façam destacar ou atenuar (e.g. notas longas vs notas curtas, forte vs piano). Irei estrear algures em Setembro uma obra para o ensemble Sond’Ar-te, onde irei dar continuidade a essa pesquisa.

Como vê o futuro da música de arte?

Acho que a democratização da prática musical, sobretudo veiculada pelas novas tecnologias, necessita ser contrabalançada com projectos que devolvam (ou relembrem) que a Música é uma prática que exige muito estudo, ponderação e, especialmente, que não é algo gratuito. O caso dos smartphones é paradigmático já que num ou dois minutos, conseguimos fazer uma música/tema, porém, enquanto é algo fantástico saber que carregamos no bolso um instrumento musical muito versátil que permite que todos possamos tocar música, é simultaneamente algo que à pessoa distraída poderá levar a pensar que criar e tocar música é algo tão ingénuo. Além disso, vejo com grande entusiasmo um maior cruzamento das ciências com a arte e, finalmente, parece-me que a performance musical pela internet irá conhecer desenvolvimentos interessantes nos próximos tempos.



(Março de 2016)

 

 

 

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