Em foco

Daniel Schvetz


Questionário/Entrevista

Parte I - raízes e educação

Como começou para si a música e onde identifica as suas raízes musicais? Que caminhos o levaram à composição?

Daniel Schvetz: A minha avó foi violinista, de Odessa, Ucrânia; e colega de David Oistrakh, na classe do Prof. Stoliarsky, chegou a fazer parte do naipe dos primeiros violinos da Filarmónica de Buenos Aires. O seu filho, meu pai, foi pianista, sem chegar contudo a ser profissional. Da parte da minha mãe, tanto os seus pais como os seus tios foram actores e cantores de teatro de “varietée”, na línguas Yidish e Russa, todos imigrantes para a Argentina nos anos 20.
Na minha casa houve sempre dois pianos, e uma discoteca razoável, que na minha adolescência foi uma grande companheira, desde os grandes intérpretes de jazz e bossa-nova, até aos grandes compositores, sendo a gravação da obra completa para piano de Ravel, por Walter Gieseking uma das primeiras impressões verdadeiramente intensas.
Com a idade de dois anos parece que comecei à procura de tocar aquilo que ouvia e queria imitar, melodias, sons, e lembro-me de tocar para a sesta dum tio-avô... , e com meus 6-7 anos, era constante a tentativa de tocar aquilo de que gostava, música dos filmes, da televisão, da rádio, sobretudo encontrar os acordes “correctos”, quem sabe quais seriam?

Que momentos da sua educação musical se revelam, hoje em dia, de maior importância para si?

DSch: Tive vários professores de piano, com escolas e técnicas diversas, mas com 15 ou 16 anos, surgiu a necessidade de registar ou documentar aquilo que improvisava, improvisos em linguagens “exóticas”, e essa necessidade levou-me a procurar o estudo da harmonia, a análise e a composição, que só começou formalmente aos 18 anos, no Conservatório Nacional, em que foi muito importante o trabalho em análise a harmonia com a professora Fermina Cassanova, uma perspectiva única, da mesma forma que o trabalho, em forma particular com Guillermo Graetzer, discípulo de P, Hindemith, com quem estudei contraponto e composição.

Parte II - influências e estética

Que referências assume na sua prática composicional? Quais as obras da história da música e da actualidade mais marcantes para si?

DSch: As primeiras impressões importantes foram Brahms (sinfonias), e a obra pianística de M. Ravel, ao que se foi somando Prokofiev , Bartók, e... sempre o J. S. Bach da Oferenda Musical e a Missa em Si menor. Mas há um momento fulcral, aos 13 anos, logo depois de assistir ao filme da vida de George Gershwin e conhecer a sua Rhapsody in Blue, foi uma “touchée” que produziu um verdadeiro choque, algo em mim ficou abanado, emocional e intelectualmente.
Da actualidade (vou tomar como tal os últimos 50 anos), devo assumir como referências, arquétipos, mas por diferentes razões a: Ligeti, Takemitsu, Xenakis, Crumb, Feldman, Gubaidulina, Berio, Nono, Boulez, mas não posso ignorar um Bill Evans, um Tom Jobim, meus grandes mestres de harmonia ; mas a número de influências e referências é, certamente, bem maior.

A dicotomia ocupação – vocação pode definir a abordagem artística/profissional do compositor. Onde, na escala entre o emocional (inspiração e vocação) e o pragmático/racional (cálculo e ocupação), pode localizar a sua maneira de trabalhar e a sua postura enquanto compositor?

DSch: Encontrar o balanço entre o que podemos caracterizar como os impulsos espontâneos, naturais, que se traduzirão, eventualmente em gestos ou ideias base para um produto artístico, e ver a sua tradução no mundo real, palpável, é um confronto que sofre, ao longo dos anos, diversos tipos de oscilações. Qual é a real medida da influência que os imperativos do quotidiano vão ter na abordagem criativa é, sem dúvida, uma questão. O envolvimento na altura da produção leva-nos a um nível de abstracção que, de caso para caso, implica diversos graus de “influenciabilidade”.

A música, devido à sua natureza, é essencialmente incapaz de exprimir qualquer coisa, qualquer sentimento, atitude mental, disposição psicológica ou fenómeno da natureza. O que a música exprime é apenas uma ilusão, uma metáfora e não realidade. Concorda ou não concorda com esta declaração? Como podia definir, neste contexto, a sua postura estética?

DSch: De facto, não concordo com este postulado, sendo metáfora, imitação (Aristóteles dixit), entre outras possíveis caracterizações, provavelmente a música tem a capacidade de ser a expressão mais pura duma certa realidade, tanto “exterior” como do próprio criador, sendo esta afirmação, sem dúvida, discutível.
Cada novo projecto é, sempre, um novo desafio, tenho “clichés” e múltiplos gestos ou recursos que, para bem ou mal, aparecem cíclica e reiteradamente nas diferentes obras em que me vou envolvendo e com os quais conto, são meus amigos, talvez utilizar uma figura do mundo das letras ou da filosofia me resulte confortável, aquela da “intertextualidade”. Não tenho pretensões de modernidade ou contemporaneidade, mas sinto uma fortíssima e intensa chamada de tudo aquilo que constitui o “hoje”, desde as chamadas novas tecnologias, passando pelas expressões de rua como o Hip-Hop, o Rap, o silêncio do teatro Noh japonês, o complexo contexto político e social no qual habitamos, em fim, somos inevitavelmente um produto “multi-evocante”.

No contexto da música de arte ocidental, sente proximidade com alguma escola ou estética do passado ou da actualidade?

DSch: Do passado Ocidental, desde o canto monódico religioso, passando pelas primeiras manifestações polifónicas, em particular a École de Notre-Dame (Pérotin e Leonin), nenhuma das tendências ou escolas de criação musical me deixa indiferente, e aproveitando a boleia da “arte ocidental” os processos estético-estilísticos em arquitectura, pintura, escultura desde os primórdios da Idade Media até um Rothko, Kandinsky, Le Corbusier, Pollock, Beckett, Lorca, Bejart, M. Graham... a lista de estéticas e estilos que de diversa maneira intoxicaram e intoxicam o meu raciocínio estético é interminável. Sendo algo mais preciso, posso indicar que o universo da “textura” e o seu tratamento como campo harmónico e suporte, em compositores como Takemitsu ou Ligeti resulta-me sempre alimento fundamental, assim como o compromisso estético/político em Nono mas... sem a Arte da Fuga, sem a Quinta, (de Beethoven , de Mahler), sem a Sinfonia de Berio, sem as Valses Nobles et Sentimentales, sem Le Sacre... às quais poderia acrescentar centenas de obras, estéticas, inspiradoras em grau superlativo, não me conseguiria imaginar, verdadeiramente, compositor.

Existem na sua música algumas influências da cultura não ocidental?

DSch: Reiteradamente aparecem ou referências directas ou indirectas às culturas orientais, em especial à japonesa, chinesa, por diferentes razões, um profundo respeito pelas diferentes tradições como a cerimónia do chá, a Ikebana, o Zen, a ópera chinesa, e os timbres e sofisticadas técnicas em instrumentos como a pipá, o shamisen, o shakuhashi, o koto, todo um agregado de elementos que, junto à prática de Tai-Chi-Chuan e Chi-Kung que me acompanha desde a minha adolescência, constitui um material que, de diversas maneiras aparece evocado em algumas obras. A outra grande fonte extra-europeia tem a ver com as minha origem Argentina e, fundamentalmente Sul Americana, em duas vertentes bem diferenciadas, por um lado, nasci e fui criado em Buenos Aires, gigantesca e multifacetada urbe, e a estética ligada ao Tango constitui uma base com forte presença em algumas obras que o justificam, como o Concerto for Bandoneón and Orchestra, ou a Misatango, e uma certa quantidade de obras, temas, materiais de diversa dimensão, em que este elemento urbano é procurado como fonte de evocação, como em De un relato.
A outra grande referência é aquele que chamamos simplesmente de folclore, que envolve o resto do meu país, com peso especial no centro-norte, e a nordeste (região Andina), com danças e tradições de forte impacto em vários compositores, nomeadamente Alberto Ginastera, Julián Aguirre, Carlos Guastavino, e que se manifestam em diversas obras, Hexámetro, ou na Cantata para un Silencio, Concertino para piano, em que coabitam as vertentes folclóricas e “tangueiras”.

O que entende por “vanguarda”? Na sua opinião, o que hoje em dia pode ser considerado como vanguardista?

DSch: Sabemos que a origem da palavra vanguarda nos chega das situações especiais da 1.º grande guerra, aqueles que iam à frente, para reconhecer o terreno, e eventualmente advertir sobre a situação, em todo caso, são os que chegavam antes, e tal significado acabou por se projectar nas artes, sejam plásticas ou performativas. O que é curioso é este termo, ou ideia, de pertencer de forma exclusiva, aos começos do século XX . Será aceitável não ter existido a ideia ou conceito de “vanguarda” em vários períodos diferentes dos últimos 10 ou 15 séculos? Pensar no que hoje em dia poderá ser caracterizado de vanguarda, é um convite a um exercício de complexo e difícil definição – pelo menos para quem isto escreve. Não consigo encontrar paralelo com o que significou a aparição da Sagração da Primavera ou o Pierrot Lunaire, ou a série Compositions de Kandinsky, ou a Trenodia para as vítimas de Hiroshima de Penderecki, ou 4’33” de Cage, expressões, entre muitas outras, de um verdadeiro vanguardismo. Tal como terá sido, talvez, a estreia da Messe de Notre Dame, de Machaut, ou as apresentações das obras de Shakespeare pela sua companhia... É provável que possamos confundir a ideia de vanguarda com os fascinantes e constantemente renovados recursos tecnológicos, as chamadas novas tecnologias, em que facilmente se pode produzir aquilo que Xenakis, Varèse e Le Corbusier prepararam para a Expo 58 em Bruxelas, uma verdadeira performance multimédia, com centenas de ecrãs e altifalantes. Com toda a sinceridade, no que à arte, e música em especial se refere, há muito tempo que não sinto a presença de nenhum tipo de expressão que possa ser considerada de “vanguarda”, sim, sem dúvida, grandes compositores, das mais variadas procedências, começando pela imprescindível Sofia Gubaidulina.

Parte III - linguagem e prática composicional

Como caracteriza a sua linguagem musical do ponto de vista das técnicas desenvolvidas na composição nos séculos XX e XXI? Há algum género/estilo musical pelo qual demonstre preferência?

DSch: Para poder caracterizar aspectos da minha linguagem criativa, deverei recuar a experiências e recursos de épocas anteriores ao século XX, e que justificarão qualquer exposição sobre aquilo que os séculos XX e XXI trazem nos diversos campos e registos da composição em música. A liberdade rítmica e articulatória do Canto Gregoriano; o fascinante mundo da polifonia quando chegamos à Renascença, em que a irregularidade de motivos, frases, secções, coexiste com um rigor técnico notável; a passagem das danças barrocas para a forma sonata/quarteto/sinfonia; a ópera como género universal e campo de experimentação, em particular a partir da 2º metade do século XIX; o desenvolvimento do Lied desde o magnífico legado schubertiano; a depuradíssima técnica do contraponto, sobretudo na passagem da modalidade à tonalidade, alcançando máxima expressão com o pai da modernidade, J. S. Bach. Não poderei ignorar, de maneira nenhuma o que todas e cada uma das experiências composicionais, ao longo de muitos séculos, contribuem de diversas formas a estes incríveis e luminosos séculos XX e XXI – no seu registo activo e optimista. A ponte entre o abandono do tonalismo , e a chegada do dodecafonismo, o chamado “atonalismo”, na sua certa instabilidade, que nos deixou as maravilhosas 5 Peças para quarteto de cordas, op. 5 de Webern, ou as 4 Peças para clarinete e piano, op. 5 de Berg, ou o já citado Pierrot Lunaire, op. 12, de Schönberg, em que sentimos a emanação duma procura sincera e vigorosa de um substituto para o mundo tonal, que ainda não está institucionalizado, e só o estará, pelo menos formalmente, com a chegada do dodecafonismo, logo serialismo. O caminho que em primeiro lugar me apaixonou, é aquele das sonoridades ocres e texturas densas de Bartók, seus 6 quartetos para cordas, do 1.º andamento (fuga) da sua Música para cordas, percussão e celesta, foi um ponto essencial na minha formação, a aceitação aberta do género fuga, com uma interválica no limite do micro-intervalo, a criação de texturas tímbricas em constante evolução, a aparição aberta de materiais provenientes do folclore Centro-Europeu, o refinamento duma escrita simultaneamente transparente e carregada, da especulação na gestão do material motívico.
Particular atenção para a Sagração... outra das obras que considero “chave”, compêndio de recursos para o desenvolvimento plurifacetado de materiais temáticos em que a componente que sobressai é o ritmo, em todo o alcance das suas capacidades. Stravinsky propõe caminhos evolutivos para os materiais de base, em que a capacidade perceptiva do ouvinte é posta constantemente a prova, ainda para mais, tratando-se de uma obra destinada à dança. A repetição, o ostinato/pedal, a justaposição de células motívicas numerosas de forma ostensível e, como resultado, uma sucessão de texturas em que a atenção está a ser alimentada a tempo inteiro. Não podemos esquecer o tratamento tímbrico, de quem fora discípulo de Rimsky-Korsakov, a instrumentação é parte essencial do percurso evolutivo e discursivo deste verdadeiro monumento do século XX.
Le Marteau sans Maître e Histoire du soldat, apesar da distância temporal, enquadram-se num formato específico, camarístico e onde Stravinsky é fiel aos preceitos do seu Sacre..., Boulez realiza um trabalho de planificação, desenvolvimento e evolução serial de dimensões notáveis, verificando-se uma linha de continuidade às propostas que Schönberg realizara com a técnica dodecafónica.
A área do “campo harmónico”, da textura em evolução, do “cluster” elevado à sua máxima expressão, Lontano, Atmosphéres, Lux Aeterna, Le grand macabre, 2.º Quarteto de cordas – entre outras obras de Ligeti, constituem um corpus de pensamento criativo que me acompanha desde há muito tempo, em que os parâmetros “timbre”, “dinâmica”, “mancha”, “brilho”, “opacidade”, se apresentam como dimensões vindas do mundo das artes plásticas.
A Sinfonia de Luciano Berio foi e continua a parecer-me um marco fundamental, sobretudo ao nível do tratamento de materiais reutilizados (citações), em simultâneo (3.º andamento) com a justaposição, à maneira de background, sobre um andamento da 2.º Sinfonia de Mahler, é provavelmente o verdadeiro protótipo do espírito pós-moderno, um verdadeiro e assumido motete, que me alimenta desde vários pontos de vista.

Podia descrever o processo atrás da sua prática composicional? Compõe a partir de uma ideia-embrião ou depois de ter elaborado uma forma global da música?

DSch: A abordagem de uma nova obra pode ter como embrião uma série de hipóteses, cada uma delas de diferentes características, dependendo do género, da dimensão e tipologia do grupo instrumental ao qual se destina tal obra. Normalmente, existe um plano geral, sobretudo a nível da forma/estrutura: partes/secções/arquitectura/duração prevista/carácter..., e a concepção será um processo que poderá variar, na sua duração como no grau de pormenor em relação a cada um dos elementos que em tal obra participam: as texturas e a sua evolução/percurso, os recursos específicos de escrita que tais texturas solicitam, as variações de tonicidade/expressão/densidade. Mas , e fundamentalmente, o que tem um peso especial, o momento de verter à partitura “vazia” o que se pretende, momento psicológico, emocional, intelectual, e que necessariamente vai interagir, a cada instante, com o que poderá ter sido o plano geral pré-concebido.

No contexto da sua prática composicional podia definir a ligação (ou oposição) entre o cálculo/raciocínio/processos científicos (por exemplo ligados a fenómenos acústicos) e a vertente mais virada para a emoção (os chamados "impulsos criativos")?

DSch: A componente racional coexiste pacificamente com o gesto instintivo, que participa sempre de qualquer acto criativo genuíno, desde o metódico J. S. Bach, ao intuitivo Charlie Parker, fazendo esta apreciação extensível ao universo das artes plásticas, das letras, das artes performativas. Tal gesto intuitivo, é o reflexo do verdadeiro mistério da criação, cuja descrição ou definição permanecerá eternamente... misteriosa.

Que relação tem com as novas tecnologias (por exemplo com os meios informáticos) e como estas influenciam a sua maneira de compor, e a sua linguagem musical?

DSch: Há uma relação inevitável com as chamadas “novas tecnologias”, diversas são as formas em que elas participam na concepção e produção de, no nosso caso, obras musicais. Damos por dado adquirido a utilização de um software para a escrita tradicional de música em pentagramas, e só esse elemento constitui uma ferramenta de alcance gigantesco, falamos de pdfs de forma natural, como se esse recurso não fosse um extraordinário veículo tecnológico, tal como a utilização de programas para edição de som, ou para edição de fotografia ou vídeo. Quando nos finais dos 90 aceitei, com alguma dificuldade a utilização de software para a escrita musical, tive muitas dúvidas sobre a eventual influência que tais recursos poderiam ter na minha forma de pensar e conceber música, mas os prós são tantos e variados, que pouco me importou abandonar o som do lápis sobre o papel, o cortar pautas com tesoura para acrescentar compassos, etc.

Qual a importância da vertente espacial e tímbrica na sua música?

DSch: Quando os compositores da Renascença utilizam a textura imitativa, que faz com que o ouvinte receba os motivos não só desde o sítio em que está o coro, mas com a percepção de que, o que fez este naipe, à esquerda por exemplo, volta a aparecer no centro, ou à direita, falamos da procedência espacial, não só da componente sonora, tal como a visual, e a exigência da divisão e orientação da atenção. Não se trata só da proveniência do som, mas da sua deslocação, como um dos parâmetros ou recursos expressivos, e que só utilizei em obras orquestrais, nas duas óperas, e em várias peças de câmara, de diversos modos. Nunca utilizei o recurso da espacialização com ferramentas informáticas.
O timbre veio ocupar, pelo menos nos últimos 15 anos, um papel cada vez mais central como elemento fulcral em interacção com a totalidade dos parâmetros que participam em qualquer das obras em que estou envolvido como compositor. O estudo pormenorizado das múltiplas combinações instrumentais, da homogeneidade de timbres (um mesmo instrumento multiplicado) até à interacção de várias fontes heterogéneas, um mundo quase infinito. Em algumas oportunidades contei com materiais pré-gravados de forma informática, ou com reprodução e tratamento em tempo real.

Qual a importância do experimentalismo na sua música?

DSch: A experimentação é inerente a qualquer acto criativo, seja no campo das artes, das ciências, da filosofia; na minha perspectiva – pessoal e discutível – e como tal, não encontro possível a inexistência de algum tipo de pesquisa “nas sombras”, com maior ou menor intensidade, não me sinto “seguro”, se o acto criativo caminha sempre por terreno “seguro e conhecido”. Pretendo, é a minha intenção, que o espectador consiga ter as mesmas dúvidas, incertezas, sofrimentos (eventualmente) e constatações que o próprio compositor e não procuro a originalidade, nem ser o primeiro a conseguir algum tipo de resultado, seria um caminho estéril. Mais que experimentalismo, sustentaria o estar em “estado de experimentação”, em que tudo a cada detalhe poderá estar em questão, incluindo o próprio criador.

Quais as suas obras que pode considerar como pontos de viragem no seu percurso enquanto compositor?

DSch: Considero à obra Formantes, para quarteto de saxofones, de 1994, como um verdadeiro ponto de inflexão, tanto nos aspectos estéticos como estilísticos, assim como na forma de pensar o acto composicional; o poema sinfónico-teatral Parabola del tigre y el espejo, uma farsa-cantata, baseada em poemas de J. L. Borges, de 2002, como um projecto em que a minha capacidade e curiosidade foram postas a prova; considero ao Concerto para Bandoneón e Orquestra – já mencionado – como a consolidação da maneira de encarar a composição, em que posso, simultaneamente abstrair-me e paradoxalmente, ter em conta o ouvinte.

Parte IV - a música portuguesa

No seu entender é possível identificar algum aspecto transversal na música portuguesa da actualidade?

DSch: Parece-me que se há um compositor que ocupa um lugar fulcral na música portuguesa, no que à criação se refere, que conseguiu conciliar a componente telúrica com a experimentação, que não abdica nunca dos princípios fundamentais que constituem a base de sustentação da sua filosofia – se cabe – criativa, esse é Fernando Lopes-Graça, compositor comprometido com seu tempo e a sua arte. Nos últimos 20 anos têm vindo a aparecer uma quantidade importante de compositores e linhas de pensamento criativo, fruto do crescimento da oferta de formação a nível superior e que, sem dúvida, terá – e tem – impacto nos vários aspectos da música em Portugal, tanto a nível interpretativo como criativo.

Daniel Schvetz, Março de 2015
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