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Sibila I, Sibila
II, Frames, Sudeste e Time Warp
Sibila I é uma obra para piano e som electrónico. É
uma obra em que a parte electrónica foi concebida de raíz para
ser extremamente instrumental e onde tento extrair as componentes de frequência
definida a partir do som electrónico. Ou seja, existem muitos sons electrónicos
de origem abstracta, ou de origem concreta, bem como de origem electrónica.
Numa primeira abordagem, quando se ouvem esses sons, não conseguimos
identificá-los ou colocá-los num âmbito de frequências
e definir se é um ré, ou um lá sustenido. São sons
electrónicos que, de um modo abstracto, contraponho com o discurso do
piano, que são inseridos em função das suas características
de frequência. Assim, criam-se massas sonoras que entram em contraste,
se sobrepõem, e que dialogam com as suas componentes de frequência.
É uma peça no início da década de 1990, em que a
parte do piano tem como fundamento um conjunto de doze acordes, que servem como
uma espécie de cantus firmus harmónico que atravessa
toda a obra. Aliás, a obra é um conjunto de variações
sobre este campo harmónico.
Frames é uma outra peça que utiliza o mesmo tipo de pensamento,
em que as relações das notas, quer ao nível vertical quer
no horizontal, são retiradas do campo harmónico e todo o material
é gerado a partir da variação e da complexificação
das relações que existem, à partida, nesse campo harmónico.
Sibila I é uma peça importante no sentido em que esta se
baseia em parâmetros de origem numérica – relações
e ratios numéricos – que põem em contraponto a parte estrutural
instrumental, de uma maneira bastante directa. A parte electrónica é
simples, com sons sintetizados, outros não gravados, escolhidos, sequenciados
e organizados numa relação de semelhança e diferença
entre as notas e o som electrónico, ao nível do parâmetro
de frequências.
Sibila II é basicamente o Sibila I sem a parte electrónica.
Isto porque foi concebida desde a origem para que a parte do piano pudesse funcionar
como uma obra solística, na qual a parte electrónica se funde.
É uma parte electrónica que obviamente dá uma dimensão
completamente diferente à peça, mas que, com pequenas modificações
a parte solística do piano pode ser executada pelo pianista e consegue
viver por si só, a partir da música feita só para a parte
instrumental. Trata-se de uma Sibila mais móvel, que se pode
levar para outros sítios e que se pode tocar mais facilmente sem o recurso
da parte electrónica.
Queria ainda abordar a obra Sudeste, de 1992, para cinco percussionistas
– duas marimbas, dois vibrafones e um temple-block – que tem como
ideia original o trabalho sobre o parâmetro das durações.
Aí, o ritmo surge como um elemento bastante importante, em que os conceitos
de pulsação e do desvio da pulsação, por um lado,
e o conceito de motivos rítmicos - que entram em contraste, se chocam
e se encaixam - por outro, fornecem a substância mais importante à
peça. Sob o ponto de vista da organização das alturas,
a peça vive muito à base do conceito canónico. Cânones
que acontecem por distenção temporal, que não são
lineares, mas que são compostos por processos de retrogradação
e inversão e que ao longo do tempo se vão comprimindo e expandindo.
A peça, avança basicamente à custa destes cânones
e à custa de processos de multiplicação do material, em
que uma linha melódica depois explode e vai ser usada nos outros instrumentos.
Ao nível de uma obra de música electrónica, podia falar
sobre o Time Warp, por exemplo. O Time Warp é uma composição
que, como há pouco referi, usa uma massa sonora – uma espécie
de pedal harmónico baseado num acorde perfeito maior. É uma obra
que parte do material gerado, sintetizado, sequenciado e criado a partir de
um programa que eu escrevi em 1993 que é o PANGEA. Trata-se de um programa
de espacialização e edição de som, que permite quebrar
um som num conjunto muito grande de pequenos fragmentos e reorientá-los,
não apenas ao longo do tempo mas também ao longo do espaço
– uma vez que cada fragmento pode ser colocado em qualquer canal do espaço
acústico. Uma secção dessa peça foi feita com esse
programa. Existem vários objectos sonoros que são introduzidos
na composição, nomeadamente um pequeno excerto de um canto gregoriano,
que eu tentei inserir para criar uma certa estabilidade e uma certa intemporalidade.
Uma vez que utilizo, em termos musicais, uma pedal – que é o acorde
perfeito maior – que dá essa sensação de estabilidade,
inseri esse canto para me ajudar a obter também essa sensação.
No que diz respeito à dimensão temporal tentei que esta fosse
bastante estendida, onde uma pessoa se pudesse perder no sentido temporal. É,
pois, uma obra que tem várias componentes, mas que penso que sob o ponto
de vista tímbrico, harmónico e formal, as coisas conseguem-se
fundir, embora seja uma peça que eu considero simples. Não é
complexa, como muitas vezes eu oiço, ou como costumamos ouvir em festivais
em que muitas coisas estão a acontecer em simultâneo. Eu tenho
a tendência para escrever de uma forma simples, que sejam formalmente
mais fáceis, não direi de seguir, mas estáveis em termos
da sua utilização ao longo do tempo.