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Estilos de Composição,
Linguagens, Experiências e Projectos
De facto, há vários estilos de composição em mim.
Basicamente… eu gosto de me sentir um profissional. Ou seja: levantar-me,
começar às nove e trabalhar até ás duas, depois
almoçar ou comer qualquer coisa e depois, das três às sete.
E não acredito na inspiração, a inspiração
é uma coisa para amadores. Os amadores é que precisam de ir ao
campo ver os passarinhos, e coisas assim... Imagine se o Mozart tivesse de se
ir inspirar, era uma agência de viagens!… Não tinha hipótese
nenhuma!
Eu tenho é essencialmente uma ideia… que não é musical.
Tenho uma ideia de fundo, ideológica (entre aspas), filosófica,
digamos assim, sobre aquilo que vou fazer e depois, durante um trabalho, de
“operário”, vai saindo em resposta a essa ideia. Portanto,
não é tanto dizer “Eu tenho um tema, ou tenho um encadeamento,
ou uma série ou o que for, que acho que é muito bonito...,”
Não. Eu primeiro penso e depois as coisas saem, a música é
posta ao serviço das ideias que tenho... Isso acontece sempre. Claro
que há peçazinhas pequeninas… mas também têm
uma ideia sempre por trás.
Se me dessem a escolher – não sei se estou a falar totalmente verdade…
não é que eu pretenda mentir, mas não sei se é correcto
o que estou a dizer – mas, se me dessem a escolher, eu passava a vida
a escrever para orquestra… Quer dizer… O que eu gosto é de
escrever para orquestra e gosto de grande orquestra!... Sou portanto um pescador
sem barco, sem mar, sem água!
Então o cúmulo, foram uns excertos da minha Ópera que foi
feita no São Carlos… isso então nem tem nome! Uma Ópera
que tem 600 páginas… só foram feitas 200! E dou-lhe a minha
palavra de honra que não acredito que tenha sido tocado mais que 2% do
que eu escrevi!…
Eu nem quis assistir à estreia mas depois lá me convenceram de
que o Álvaro Malta e a Elsa Saque se estavam a esforçar…
enfim… E é este tipo de coisas que faz muito mal à música
portuguesa! E não só à minha… Também já
ouvi interpretações horrendas do Graça!… Que não
têm nada a ver com o que o compositor escreveu!
Mas voltando atrás… eu nunca fui chefe de orquestra... Sou sim
um compositor que dirige. É uma coisa completamente diferente... Não
se deve confundir o que é ser chefe de orquestra com aquilo que qualquer
músico tem a obrigação de saber fazer e que é reger.
E eu nunca serei chefe de orquestra! Claro que outra coisa é ter competência
para tal e, entre mim e alguém que aparece e diz que é Maestro
mas que afinal sabe muito menos do que eu… nesse caso, fá-lo-ei.
E realmente também já dirigi mais do que eu pensava… talvez
umas 80 vezes… Já dirigi todas as orquestras portuguesas, a Sinfónica
de Viena, a Sinfónica de Linz, a Sinfónica de Praga, a Sinfónica
de Sófia… enfim! Há falta de outras pessoas também
vou (mas é fácil encontrar pessoas a reger muito melhor do que
eu!…)
Também me dou bem com os músicos, sabe porquê? Porque os
músicos percebem logo e eu dou-lhes logo a entender que sou mais um deles,
que sou mais um músico e que não estou ali, para me mostrar enquanto
Maestro. E porque só quero ver se os ajudo a compreender o que está
escrito. Daí, o bom entendimento que se gera e, às vezes, até
surpreendentemente, os bons resultados!
Em termos de marcos na minha carreira… Para mim, há uma linguagem
que me é particularmente cara, de que gosto. É a linguagem que
utilizei em obras gravadas, um pouco no quarteto de cordas, um pouco no Un
Rêve d’un Rêve, em obras sinfónicas… A Pornofonia,
por exemplo, é uma peça de que gosto muito, sinto-me muito à
vontade… A Sinfonia também…– não esta
mas sim a outra (porque antes tinha uma sinfonia nº 1 mas agora não
ia chamar sinfonia nº 2 a uma sinfonia em que recuei aos 20 anos...
de modo que a nº 1 passou a número 2, e esta passou a nº 1). A nº 2 nunca
foi tocada cá, só em Pequim, pela orquestra de Pequim.
Um concerto de Oboé que fiz, por exemplo.... Gosto particularmente de
uma peça que fiz para o Opus Ensemble que é o De Profundis
que vai ser tocado por um decateto no dia 1 de Agosto e que não tem nada
a ver, por exemplo, com Os três andamentos à procura de um
Quarteto… Estas estão todas numa linguagem muito como a Sonata
de Viola, que tem lá dentro um terceiro andamento completamente
delirante e de repente há um slow fox (...), mas o slow
fox tem a sua razão de ser, e essas agrupam-se (...). A Ópera,
sem dúvida alguma, é das coisas que me estão “atravessadas”…
claro (é óbvio!)… A Sinfonia de Vilar de Mouros,
as Sinfonias (excepto a do Benfica, porque é diferente) e outras
obras assim, estão na linha daquilo que eu considero o meu melhor. Também
uns sonetos de Camões para Lied, duas canções
do André Heller, que é para dois pianos e que nunca foi tocado
(eu, pelo menos, nunca ouvi), mas tenho bastante confiança nisso, e há
várias peças assim. Apesar de tudo verifiquei, ao abrir a colecção
de alguma música de Câmara minha (que está aqui em três
Cds), que as pessoas (e isto é o editor que fala) não queriam
isso, ou melhor, não estavam à espera disso… Mas esta é
a minha música, lamento!…
As Sonatas de piano, a primeira Sonata, a terceira Sonata, a sexta, a quinta...
A quinta é outro estilo, é um bocadinho mais “felliniana”,
digamos assim... Sobre a Segunda, por exemplo, tenho uma carta fantástica
do Shostakovich… São obras que posso dizer que se identificam mais
comigo. As outras... são todos meus “filhos”, nem que seja
um Fado para o Carlos do Carmo! Mas a verdade é que são mais peças
de circunstância, que eu faço para esta circunstância, para
isto ou para aquela pessoa, para um filme... Tenho muito gosto em fazer e faço
com o mesmo empenho. Mas não é exactamente aquilo onde eu me mais
revejo ou em que me considero mais realizado. Já fiz umas 30 e tal obras
que são fundamentais e há outras 30 e tal que ainda preciso de
fazer!…
As obras surgem… O Decateto é uma encomenda para bons
músicos. As peças de violino e piano também são
encomendas de músicos. E eu sempre que possa fazer uma coisa que seja
só para músicos, abro a tal gaveta que é aquela com a qual
eu mais me identifico. Também posso fazer uma peça que tem outros
objectivos circunstanciais… o festejo do Benfica, uma música de
filme, ou outra coisa. E não menosprezo minimamente a música que
faço para Cinema, ou para Teatro e que depois acabo por “esconder”
ou reunir numa Suite, por exemplo. Tenho várias (do que eu chamo) Suites
teatrais… músicas que fiz para o Burgo de Teatro de Viena, o Burgtheater
de Viena, por exemplo… já fiz peças do Feydeau, da Simone
de Beauvoir, do Tchekov e outros. Fiz muita música de Cena e continuo
a fazer (ainda há dias voltei a fazer)... mas é uma música
que tem pouco a ver com a peça e não é a tal gaveta onde
eu me considero mais “dentro da minha própria música.
Completamente diferente… também gosto das Memórias do
meu Sótão. Tem lá no meio um Can-can, ou lá
o que é...! Fiz uma coisa a pensar no meu sótão e na grafonola
que lá estava e que era da minha avó... depois, saiu aquilo. Normalmente
é assim que faço: tenho a ideia e depois dou o nome. (…)
O Saramago é que me contou que inventa um título e depois é
que escreve um Romance sobre o título.
O Jorge Amado, por exemplo, disse-me uma vez que criava personagens. Os personagens
existiam e ele depois tinha de inventar uma história para eles; não
eram os personagens a servir uma história, mas sim uma história
a servir os personagens.
Também gosto muito de improvisar, mas não sobrevalorizo muito.
Não consigo… acho que há sempre qualquer coisa que não
é verdade naquilo que não se escreve. Talvez seja por ser filho
de advogado, acho que o papel escrito tem outra força do que aquilo que
se improvisa. Mas, por exemplo, uma coisa que eu faço pela Província
e que tenho muita pena que em Lisboa o público nunca tenha ouvido, são
espectáculos comigo a improvisar, porque eu improviso bem, mas... às
vezes!
Eu gostava, por exemplo, de fazer um espectáculo assim: “agora
vou voltar ao piano, mas para fazer um concerto a improvisar, só, sem
mais nada”. Pela Província eu faço isso muitas vezes! Mas
eles lá não sabem se é improvisado, ouvem e acabou-se…
Agora, estou a fazer uma nova experiência com o Ricardo Rocha. Estou a
escrever peças para guitarra portuguesa e piano. Acho que estamos a fazer
um caminho excelente, com a Ingeborg Baldaszti e o Ricardo Rocha! Comecei por
fazer uma coisa musicalmente simples, lá está, para a Ferreirinha,
do Moita Flores, mas já escrevi uma Sonata para guitarra portuguesa e
piano, e fica muito bem.