Entrevista a Clotilde Rosa / Interview with Clotilde Rosa
2004/Jul/02
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Elementos de improvisação
nas obras
Eu creio que também até no Ricercare isso existe. Eu
empreguei muito módulos que depois diz: Repetir ad libitum e
permutando, permutando ad libitum, isso é dar livre curso às
pessoas, para o intérprete, não é? Só que na orquestra
nem sempre resulta porque … – quando é depois muito bem explicado
resulta – mas, nos grupos verdadeiramente contemporâneos resulta
porque nos conhecemos uns aos outros, não é? E sabemos aquilo
que se quer. Nas orquestras, muitas vezes, os instrumentistas que eram menos
amantes da música contemporânea…ou menos criativos, quando
viam um fragmento: “Ta ri ri ra ro ri ra ra ri” , faziam: “ta
ra ri ro ra ri ro ra ri, ta ra ri ro ra ri ro ra ri” e não faziam:
“Ta ti to ta, ta to ti”, não faziam! E então o Carlos
Franco dizia-me: “Ó Clotilde, para escrever para orquestra não
se pode escrever assim. Tem que ser tudo muito bem especificado, porque senão
corres o perigo de fazerem aquilo que tu não queres!”
Trabalho com Constança
Capdeville
Eu tinha uma grande admiração pela Constança. A Constança
era uma mulher fantástica, uma compositora extraordinária e nós
fizemos muitas obras dela.
Mise en Requiem… eu esqueço-me do nome do… Mais,
mais obras dela, o Momento… O Momento até o apresentámos
em Royan, no festival de Royan e teve uma ovação espectacular,
e não sei até, como tinha aqueles batimentos no chão e
ainda estávamos na época do Fascismo, não sei se as pessoas
também sentiram, sentiram que era uma manifestação - eu
sei lá, aquela obra mexeu muito com o público. Aí a Constança
era excepcional, foi uma… outra perda muito grande. Tanto ela como o Jorge
Peixinho podiam ser vivos, tanto um como o outro… eu sou mais velha e
ando cá ainda.
Teatro Musical
Eu experimentei, mas confesso que saiu mais música que teatro. Porque
fiz o Diapasão que era… Diapasão que hoje
é para orquestra, é para uma orquestra de arcos, mas foi para
um trio em que havia cena, havia cena. Começam a tocar com um diapasão
na realidade, o diapasão é que é o primeiro som que se
ouve. Essa obra é capaz de ser, quanto a mim …– foi dedicada
aos Beatles e aos jovens daquele tempo, e também utilizei A day in
the life e um excerto, para finalizar a obra naquele grande crescendo que
eles têm de glissando e também os Jethro Tull, porque eu também
tenho interesse por música, digamos, pop, conforme a música se
é boa, não é?… E realmente eram bons, os Beatles
era bons. Mas essa obra, para mim, acho que não foi conseguida, tenho
a sensação de que das minhas obras todas, essa obra… Porque
depois o primeiro andamento é muito, é muito… é todo
dentro da linguagem contemporânea mas depois o último andamento…
Engraçado é que é tirado de uma série mas resulta
mais ou menos… vou cantar: “Ta ta ti …” e então
parece que é atonal, que foge um bocado… parece que é uma
obra um bocado híbrida, quanto a mim. Bem também posso ter sentido
isso…
E há também uma outra obra que é o Jogo Projectado
II, onde o Luís Cília canta… dizia um poema, ao mesmo
tempo que havia o… não sei como é que se chama, é
diaporama? Eu não sei se é diaporama…
Um Ciclorama, um ciclorama! Em que nós estávamos para lá,
a harpa, o trompete e a viola, salvo erro, e deste lado estavam outros e o Jorge
Peixinho era o maestro que, justamente de propósito, que eles utilizam
muito como… como…
Já sabe qual é, do grupo! Essa obra é minha, foi inventada
por mim esse…que o maestro é muito grande por causa do foco da
luz, é enorme, e foi dedicada aos povos latino-americanos que eram torturados.
Foi dedicada, e há um poema da Marta Cristina Araújo que é
recitado sempre pelo Luís Cília. Depois no fim quem recitou mesmo
ao vivo foi o Carlos Wallenstein, que já morreu. Essa obra também
pretendia ser de teatro musical, porque depois a certa altura os que estavam
do lado de lá vêm para o lado de cá e o maestro continua
a dirigi-los e no fim vão todos colocar-se numa roda - numa circunferência
com uma luz roxa que incide na circunferência - e todos baixam a sua cabeça
no fim do seu papel, depois de terem tocado tudo, o que queria dizer, evidentemente,
que nem os ditadores escapavam à morte, não é? Mas também
não… foi tocada uma vez ou duas… Ah, foi duas vezes, foi
duas vezes, foi na Gulbenkian…e depois nunca mais se fez, tinha esse…,
era interessante, tinha essa componente visual. Mas era difícil, porque
era preciso arranjar um ciclorama e para arranjar o ciclorama… Pois eu
fiz tentativas…