Hoje em dia vivemos cada vez mais integrados no mundo digital, muitas vezes já sem nos apercebermos quanto. Entretanto, este ambiente é usado ainda principalmente não como um fim em si, mas como uma ferramenta para copiar, transportar, reproduzir, imitar elementos analógicos, desde que sejam suficientemente compreensíveis pelos humanos a quem se destinam.
Esta instalação tenta ligar estes dois ambientes de forma concreta: vários tipos de textos falados são cruzados com vários tipos de processos de transformação simples e graduais, existentes apenas em meios digitais. Enquanto que para o ouvinte o sentido do texto se vai desvanecendo gradualmente, para a máquina que o produz trata-se apenas de uma permutação simples com o mesmo grau de sentido tanto no início como no fim do processo.
Durante o processo de transformação, o ouvinte pode adoptar duas atitudes – ou será forçado pelo seu instinto a misturá-las, tentando criar um sentido a partir dos fragmentos de discurso que lhe forem familiares, ou fará um ‘reset’ das suas expectativas e ouvirá o processo como um fim em si. No “caos” gerado, a periodicidade de cada cena mantém-se e, apesar da incompreensibilidade, há uma memória estrutural que continua presente. Esta situação será apenas apreendida se a ouvinte tomar o seu tempo [empenhar?], o bem mais precioso e cada vez mais escasso.
Neste contexto, o adjectivo em
Palavras discretas refere-se não a uma qualidade de discurso, mas ao processo de amostragem realizado ao converter um elemento analógico – contínuo – num elemento digital – discreto.
João Pais, 2021-21 · RMC 2021