Compositor de música instrumental e mista que valoriza a ideia de discurso como "a razão ativa e a energia que tudo anima" - Bruno Gabirro está Em Foco no MIC.PT no mês de novembro.
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Título do documento Poemário de Lamolinairie de Campos
Data de Composição· 2003/Dec
Instrumentação Detalhada
Categoria Musical Música de câmara (de 2 a 8 instrumentos)
Instrumentação Sintética Ensemble Instrumental
Estreia
Data 2004/Jan/23
Intérpretes
Grupo de Música Contemporânea de Lisboa
João Paulo Santos (direcção)
Local Salão Nobre do Conservatório Nacional
Localidade Lisboa
País Portugal
Texto
Autor do Texto José Lamolinairie de Campos
Título do Poema ou Texto -
Notas Sobre a Obra
1. Esta peça resulta de uma encomenda do Grupo de Música Contemporânea de Lisboa, a quem é dedicada. Por extensão natural, é uma dedicatória que se projecta na memória da figura ímpar do seu fundador, o meu querido professor Jorge Peixinho, mestre incomparável, o nosso compositor-poeta.
2. É uma leitura musical de poemas epigramáticos de Lamolinairie de Campos. A sua poesia desde cedo me colheu não apenas pela sua inefabilidade bem como pelo equilíbrio rítmico das suas palavras. Surgem sempre na hora certa, com o peso certo, numa prosódia de rara compleição. A sua musicalidade extrema sugere timbres de amplitude variável desde a evanescência de um glockenspiel ao registo sonoro do bronze, passando pelos acetinados sensuais blues-like, pelas sonoridades nocturnas das surdinas, pelo halo onírico dos harmónicos. A música está naqueles poemas. O meu contributo é apenas sinestésico.
3. A peça tem uma forma palindrómica, com cinco andamentos que se reflectem no carácter e no material. O primeiro e último são nocturnos, cheios de mistério. O segundo e quarto são blues, literalmente blues, no seu arrastamento dengoso, no seu mamar doce. O momento central, o eixo deste espelho, é declamado. O poema é dito numa caminha de timbres.
4. Musicalmente, a textura é simples, subtil, essencialmente tímbrica. Há um certo despojamento de meios. O poema chega. Less is more.
5. Harmonicamente é uma obra tonal, contendo referências mais ou menos veladas aos meus mestres queridos: o Mahler dos Adagiettos e dos Kindertotenlieder, o Ravel da Pavane, o Debussy do Faune, o Messiaen de Fouillis d’arcs-en-ciel, o Gershwin de Porgy; e uma referência ainda mais velada ao mestre Schoenberg, na clarividência da sua afirmação: “ainda se pode escrever muita boa música em dó maior”. Uns porque me inspiram, outros porque me encorajam, constituem-se como os ecos imemoriais desta peça, seu húmus e minha linfa.
6. Os poemas são extraídos do livro de José Lamolinairie de Campos chamado Delitos, edições Afrontamento/Poesia-1983. Ei-los:
1 - Reconhecimento
Águas travos
De empenhos carentes
Ruídos doentes
Remoques violentos
Vão indo lentas em forma de exórdios
Depuram para que assomem talentos
2 - Pedras
Pedras são contexturas
impregnadas e broncos
Cérebros gastos, ásperos.
Contêm tudo à força de tão junto.
3 - Lição
Os poetas são lobisomens.
São negros, carnívoros, párias.
Carpem à noite, eles
uivam porque a noite está vaga.
Têm fôlego quente, eles
são emergentes, radicais como geisers.
4 – Defronte
De bruços, queixo na areia, os olhos altos.
De bruços, queixo na areia, barcos.
A areia morna a possuir-te...
O risco do cabelo a dividir-te...
5 - Lua
À noite, há a certeza do reflexo,
tendência para o banho nocturno no espelho baço.
A lua imóvel, sossegadamente satélite,
é agora narciso irrequieto pelas águas!?...
Eurico Carrapatoso