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Conceitos e Métodos de
Composição: A Ideia na Obra
Para mim, composição é uma maneira de exprimir os sentimentos,
e talvez eu seja um pouco “tradicional” nesse aspecto. Porque acho
que compor só por compor e criar estruturas abstractas é fazer
mais ciência do que propriamente música. E para mim, música,
digamos, a sonoridade, é como as palavras; por exemplo, um poeta, um
poeta exprime ideias e sentimentos, tal como a música o pode fazer. Por
isso eu, quando componho, utilizo uma maneira muito livre para o fazer. Às
vezes há momentos em que percebo que tenho de parar e ver, porque parece
que... há qualquer coisa que está mal! Depois, então, componho
de uma forma muito rígida, utilizando sempre uma certa estrutura e não
saio daí. Depois, aparece uma ideia e eu tento equilibrar com o material
já existente e posso, outra vez, continuar a composição
de uma forma mais intuitiva. Porque, claro as estruturas que utilizo no início,
tenho-as sempre na cabeça e não posso perdê-las, porque
a música vai evoluindo e não posso, por exemplo, parar esta evolução
e começar outro material que não tenha nada a ver com o material
inicial.
Por exemplo, aquilo que acontece na música de Mahler, que é um
dos meus compositores preferidos, do qual recebo alguma influência hoje
em dia, é que há sempre uma ideia. Por exemplo, a Sinfonia
nº 9, em que temos o último andamento que é o Adagio
e que, digamos, é o andamento principal. Todos os andamentos anteriores,
conduzem, pouco a pouco, àquele Adagio. E nós percebemos,
passo a passo, aquilo que o compositor quer transmitir. Esta “ideia”,
em música, parece-me muito importante. A título de exemplo, eu
tenho uma obra que se chama Motum Contrarium para violoncelo e contrabaixo.
A ideia dessa obra é digamos um pouco extra-musical. Cada um destes instrumentos
é uma personagem. E a obra começa num registo muito agudo, em
que o contrabaixo tem a função melódica e toca, digamos,
do registo superior ao registo de violoncelo. Depois, pouco a pouco, eles, criam
um contraponto muito denso, e vão baixando, até ao registo grave.
E, neste processo, o violoncelo, passo a passo, predomina; ou seja, predomina
no sentido melódico. Começa a interpretar o material mais melódico
e o contrabaixo passa a ter, então, função de efeito. Pouco
a pouco eles vão baixando a um registo extremo grave, em que depois também,
no final, utilizam scordatura. Esta ideia é extra-musical, mas
quando a pessoa ouve a música sente que há alguma coisa que conduz
o material. Ou seja, do início até ao fim é uma peça
em que há uma ideia, há uma forma, há uma estrutura. A
existência da ideia é, por exemplo, uma das coisas que se verifica
na música de Ligeti, de que eu gosto muito e que é um compositor
que também marcou a minha obra. Por exemplo, mesmo no Quarteto nº
2, um quarteto que tem grande importância de efeito, há sempre
a ideia. Ou, por exemplo, na música de Lutoslawski, de que gosto também,
é a mesma coisa. Por exemplo, podemos ter a imagem de uma forma Sonata,
não existe forma Sonata, mas há alguma imagem na maneira como
ele cria e conduz os materiais. Eu até analisei, por exemplo, a Sinfonia
nº 2, o primeiro andamento, e analisei como forma Sonata, embora os materiais
não sejam tradicionais. E porque é que Lutoslawski utilizou esta
forma tão antiga hoje em dia? Porque a partir desta forma o compositor
pode transmitir ideias. Se alguém tem alguma coisa a dizer, pode dizer
dentro de uma certa construção, ou seja, dentro da forma Sonata.
Ao ouvir, por exemplo, este primeiro andamento, praticamente não é
possível definir a estrutura da Sonata, porque tem muitos efeitos, tem
um material específico; no entanto, ao analisar, percebemos bem a estrutura.