Fragile Movements Towards Absence é uma obra que resulta de uma encomenda do RePercussion Trio. A ideia geral da composição aborda eventos associados à crise climática e aos seus impactos. Através de imagens de satélite da NASA, foi selecionada uma imagem que mostra o nascimento de um novo iceberg na plataforma de gelo Brunt (Noruega). A primeira imagem data de 24 de janeiro de 2023 e pode verificar-se o início da rotura de uma massa de gelo da sua placa. A segunda imagem data de 09 de fevereiro de 2023, cerca de 2 semanas depois, e vê-se claramente o iceberg, com cerca de 50 km de diâmetro, já à deriva.
Todas as composições, de alguma forma, criam desafios. Mas esta peça em particular, trouxe-me vários e diferentes desafios. Realço aqui, aquele que me parece mais importante. As minhas recentes composições são baseadas em gravações de campo. O método que utilizo consiste na recolha de informação acústica, através de tecnologia de gravação, dentro de um âmbito a que chamo de ambiente sónico silencioso. Posteriormente a essas gravações, faço uma mediação dessa informação acústica, incluindo a experiência pessoal, para instrumentos musicais, dando origem à composição. O que foi diferente nesta peça foi o facto de eu não ter estado, nem no local, nem no tempo exato em que se deu a rotura do iceberg. Não estive nesse ambiente sonoro de forma física, nem de outra qualquer forma ativa que incluísse experiência e memória de acontecimento. Então, isto é o paradoxo da experiência de escuta incorporada, que é aquele que abordo na minha prática artística, e onde o corpo desempenha um papel fundamental.
Assim, a forma como superei este desafio, foi entrar no campo de imaginado e especulado, tendo baseado a minha criação na ideia de um grande bloco de massa sonoro, o qual lentamente se vai dividindo em fragmentos mais pequenos e frágeis, que por sua vez dão origem a fragmentos ainda mais pequenos e frágeis, e assim continuamente até à direção da sua ausência e desaparecimento.
Esta obra envolve múltiplos parâmetros que constituem a paleta do meu processo de criação, como vozes independentes, estratificação, repetição não linear, variações de sincronização e não sincronização, apenas para referir alguns, os quais dão forma à obra. Num olhar em grande escala, apresentam-se dois blocos de som: uma em forma de unidade e outro em forma de fragmentos. Estes blocos de som, combinam padrões caóticos, criados por variações mínimas e aleatórias.
Esta obra é o resultado da mediação, de movimento e derretimento de um iceberg, que se separou da plataforma de gelo Brunt (Noruega). Uma mediação de sons imaginados e especulados, transformados em sons reais para instrumentos acústicos de percussão.
Hugo Vasco Reis