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Ricardo Ribeiro


BIOGRAFIA

Ricardo Ribeiro nasceu em 1971 em Aveiro e fez a sua formação musical (saxofone e canto) no Conservatório de Música de Calouste Gulbenkian, na mesma cidade. Em 1996 obteve o Diploma de Composição na Escola Superior de Música de Lisboa, sob a orientação de António Pinho Vargas e Christopher Bochmann. Em 1998 concluiu a pós-graduação em Composição (Corsi Internazionali Biennali de Alto Perfezionamento), sob a orientação de Franco Donatoni, em Itália.

Entre 1998 e 2002 Ricardo Ribeiro viveu em Paris onde prosseguiu, sob a orientação de Emmanuel Nunes, o seu trabalho de composição e de investigação. Emmanuel Nunes surge, desde então – depois dos ensinamentos de Franco Donatoni e de Tristan Murail –, como influência determinante no percurso criativo do compositor. Paralelamente às formações já referidas, frequentou ainda diferentes cursos e seminários de composição, dirigidos por compositores como Magnus Lindberg, Philippe Manoury, Jonathan Harvey, Salvatore Sciarrino e Brian Ferneyhough, entre outros.

Em 2003, na Universidade de Nice -Sophia Antipolis, obteve o grau de Mestre em Esthétique et Pratique des Arts, sob a orientação de Antoine Bonnet, com a tese Invention et développement mélodique dans l’oeuvre Einspielung I (1979) d’Emmanuel Nunes. Prepara, na Universidade de Rennes 2, com o mesmo orientador, a tese de Doutoramento intitulada Dimensions complémentaires constitutives du temps. Para a realização dos seus estudos têm sido atribuídas ao compositor diferentes bolsas, das quais se destacam a Bolsa de Aperfeiçoamento Artístico da Fundação Calouste Gulbenkian (1997 a 2001) e a Bolsa de Doutoramento da Fundação para a Ciência e Tecnologia (2002 a 2006).

As obras de Ricardo Ribeiro têm sido apresentadas e encomendadas por diferentes instituições europeias nomeadamente em França, em Itália, na Dinamarca e em Portugal. Durante sete anos, entre 2002 e 2009, Ricardo Ribeiro praticamente deixou de compor, procurando novas maneiras de escrever e abordar a música, o que o levou também à decisão de retirar muitas obras do seu catálogo. Este período foi um tempo de transição da complexidade e densidade à simplicidade e mais espaço que hoje em dia definem a sua criação, de acordo com a estratégia: “dizer o máximo com o mínimo”. Das obras anteriores a 2002, muitas foram, por decisão do compositor, retiradas do catálogo ainda que após execução pública.

Hoje em dia Ricardo Ribeiro emprega na composição técnicas espectrais e dá muita atenção à procura de novas qualidades na música. Utiliza elementos como repetição e “articulação da matéria”, aproximando-se neste sentido de compositores como Beat Furer ou Pierluigi Billone. Nesta nova fase destacam-se sobretudo várias peças de câmara e para instrumetnos solo, com ou sem electrónica, nomeadamente, Intensités para clarinete e electrónica em tempo real, escrita ainda em 2001, revista em 2006 e reabilitada em 2009, gravada por Nuno Pinto no CD da Miso Records, Portuguese Music for Clarinet and Electronics; Ostinati (2010) para violoncelo e electrónica em tempo real, gravada por Filipe Quaresma no CD, Portuguese Music for Solo Cello; In Nuce (2011) para saxofone e electrónica em tempo real; In Limine (2011) para cinco instrumentos e electrónica em tempo real e ainda Asper (2016) para cinco instrumentos, ambas as obras encomendadas pelo Sond’Ar-te Electric Ensemble.


ENTREVISTA

Percurso formativo

Em 95... já tinha feito alguns seminários com Emmanuel Nunes e isso alterou a minha maneira de escrever e de pensar a música. No início utilizava alguns elementos de liberdade rítmica, os tempi não eram definidos, utilizava expressões como, por exemplo, Moderato. A partir de 95/96, os tempi passam a ser precisos e rigorosos – se era a 77, era a 77 – e o ritmo muito mais rigoroso, ou seja, determinados elementos que antes considerava que poderiam ser improvisados, a partir de 95 passam a ser pensados de outra forma: alterei um pouco a escrita, a música e a harmonia... Houve um período em que utilizava materiais que desenvolvi com Christopher Bochmann; a partir de 95 começo a ter uma influência determinante de Emmanuel Nunes.

Com Franco Donatoni trabalhei durante dois anos. É uma história engraçada. Em 94 utilizava alguns elementos que estavam próximos da linguagem de Donatoni, sobretudo os elementos rítmicos. Conheci-o num curso que fiz em Granada, em 94 ou 95. Ele gostou imenso daqueles elementos e propôs-me ir ter com ele a Itália. E esse reencontro nosso foi curioso porque nessa altura o meu trabalho já não era o que ele tinha conhecido, ou seja, o que lhe tinha apresentado em Granada. Em 97 já tinha uma linguagem que estava mais próxima – com ritmos mais complexos – de Emmanuel Nunes. E o Donatoni dizia-me: “devias fazer mais assim ou deixar estes ritmos um bocado mais... podias fazer uns ritmos mais simples, estas quintinas são complicadas, isto de sobrepor uma quintina a uma septina...” e andámos nisto quase dois anos – ele a tentar que eu me aproximasse mais dele… mas não havia retorno possível. Eu tinha chegado àquele caminho e não havia volta a dar. Aprendi algumas coisas muito interessantes com ele sobre a questão musical mas, relativamente à parte técnica, houve um pouco de “guerrilha”: ele a querer que eu voltasse a fazer uma coisa que eu não queria fazer… e que tinha sido o meu início.

Estudei quatro anos com Emmanuel Nunes, até 2002. E, como se pode verificar no meu pequeno catálogo de obras, nesse ano concluo esse período com a peça Composição nº 2 para orquestra de câmara, que foi uma encomenda do Aarhus Festuge. Aí estava mais próximo de Emmanuel Nunes. Depois cheguei à conclusão de que o caminho não era esse e foi uma chatice, porque uma pessoa zanga-se e precisa de estar sete anos sem compor. O que foi engraçado… Em 2003, ainda escrevi alguma música quando estava em Nice, mas as minhas preocupações e inquietações tinham de ser resolvidas primeiro. O facto de ter estudado com Tristan Murail marcou-me em certa medida; tanto que eu era para ir estudar com ele para Nova Iorque, para a Universidade de Columbia. Depois falei com Emmanuel Nunes e optei por ir trabalhar com este e não com Murail. E não me arrependo disso. A questão é que eu procurava outras coisas, outras linguagens, e o facto de trabalhar com estes grandes compositores dava-me pouca “liberdade”. Ou seja, foi bom, aprendi imenso, mas depois precisava de me libertar. Por acaso precisei de sete anos. Há pessoas que não precisam de tempo nenhum, mas talvez este seja um problema meu. É um pouco o que Virgílio Ferreira dizia: precisava de 40 anos para desaprender os 40 que andou a aprender. Ele disse-o metaforicamente; eu, na realidade, tive de o colocar em prática. Não precisei de 40, mas precisei de sete. Foi um género de desaprendizagem saudável.

Em 2002 a problemática consistia no excesso de notas que eu usava. Hoje, para mim, a obra tem de contemplar outras dimensões que não apenas a das notas, não pode ser só contraponto. No meu trabalho anterior, a questão das notas vinha na linha de um certo Stockhausen e Boulez... Um dos meus problemas consistiu (e isso é perceptível, com alguma distância) em trabalhar com compositores como Emmanuel Nunes, Franco Donatoni e Tristan Murail – sobretudo com Emmanuel Nunes, que foi o compositor com quem mais aprendi e que mais me ensinou sobre música. A antinomia de o considerar um compositor excepcional, de uma dimensão inacreditável, e depois não poder segui-lo… Não era possível ser “filho de”… A questão de não seguires a linha das pessoas com quem estudaste mais tempo, por não estarem próximas do que tu consideras que é, ou deveria ser, a música do século XXI, deixa-me alguma tristeza. Tens de arranjar um género de “pais adoptivos” e aproximar-te, um bocadinho à força, de outros compositores com quem não tiveste uma relação de proximidade. Isso deixa-me alguma tristeza, mas a vida é assim.

O compositor face ao seu próprio catálogo

Das obras anteriores a 2002, não considerava todas as que fazia. Sempre valorizei a sua execução pública (embora haja 5 ou 6 que não foram estreadas); pelo menos umas 20 que fazem parte desse catálogo foram estreadas e, quase sempre, decidi retirá-las. Se é para fazer uma revisão, faz-se de novo; também não tenho problema em dizer: “fiz lixo, para mim isto é lixo, pode ser retirada do catálogo”. Hoje em dia já não tenho essas preocupações, aceito tudo o que faço. Antes tinha muitas inquietações: “ah isto é lixo, fica ali na prateleira do lixo”. Agora aceito que as obras não são todas iguais: há umas que são mais felizes, que correm melhor, outras que se afastam mais do sonho original, mas que aceito de igual modo. Ao fim de sete anos, não me incomoda se esta é uma obra menor – é menor, não faz mal. O Donatoni também nos falava muitas vezes do catálogo dele, dizendo: “eu não percebo porque é que há pessoas que gostam tanto de algumas das minhas obras menores, daquelas que eu considero menos” (e, no entanto, ele não as retirava do seu catálogo).

Intensités: obra de charneira

A ideia inicial sempre foi a de fazer uma versão com electrónica. A obra tinha 10 minutos, e eu decidi cortá-la para seis. Foi a única coisa que decidi fazer – escolher bocados, tesoura… cortá-la e reduzi-la. Terminei essa obra quando ainda estudava com Emmanuel Nunes. E ela permaneceu, pois também se trata de um trabalho de investigação que fiz com Nuno Pinto em Paris. Em 2006 ele perguntou: “então, isso sai ou não sai?” E eu disse: “está realmente na altura de a deixar sair”. E assim cortei-lhe quatro minutos e entreguei a partitura a Nuno Pinto.

As minhas preocupações até 2002 prendiam-se mais com certas questões como a complexidade. Aliás, existe muito contraponto na peça Composição nº 2 para orquestra de câmara. A questão da electrónica de Intensités já funciona, não como contraponto, mas como um véu. Existe a linha do clarinete à qual é aplicada uma velatura, uma transparência, que não altera a obra, mantendo esta toda a estrutura. Isso manteve­-se até hoje: a electrónica de In Nuce é também um género de velatura, que tem sobretudo a ver com a minha forma de pensar. Precisei de sete anos para chegar à conclusão de que o que hoje é importante para mim é ter ideias simples e aplicá-las escrupulosamente. Em In Nuce é possível constatá-lo: mesmo reduzindo o material, consigo escrever obras de maior duração com menos matéria. Há sete ou oito anos seria impensável escrever esta obra porque a consideraria demasiado simples (demasiado repetitiva)...

A procura da perfeição e o afastamento da complexidade

Costumo brincar com essas questões comigo próprio. Perdi a preocupação de perfeição. Em Intensités, que até parece fácil, há uma linha que segue e, não sendo uma escrita hiper-complexa, é muito difícil ritmicamente; quando se escuta, essa dificuldade não se nota. Depois descobri um provérbio chinês que diz: “se se afiar uma faca constantemente fica-se sem faca”. Emmanuel Nunes debatia-se comigo: “não podes! Tens de parar de ter ideias! Tens de parar de polir! Tens de escrever mais!” Estar continuamente a afiar a faca até se atingir um gume perfeito é um disparate. Quando dás por ela, acabou-se a faca. O ideal é a faca estar afiada, não é estar a afiá-la eternamente. Agora escrevo com muito mais facilidade. Tento dizer o máximo com o mínimo, isto é, dizer muito com o pouco, numa duração maior.

Quando se escreve uma obra, existem duas dimensões de uma mesma realidade: por um lado, toda a obra de arte é inicialmente determinada pelo contexto histórico, social e cultural (no qual ela é criada); por outro, toda a obra de arte produz um espaço e um tempo que lhe são próprios e que têm em si mesmos elementos que caracterizam um determinado período. Não só assimilam o que está à sua volta como deixam marcas dessa assimilação, dessa transformação e desses elementos. Isto para dizer que, por exemplo, hoje utilizo elementos como a repetição, a articulação da matéria – esses elementos estão mais próximos de compositores como Beat Furer, Pierluigi Billone, o que considero ser a escola de Áustria ou a nova escola de Darmstadt. Posso estar no caminho errado mas, pelo menos para mim, é muito mais interessante os compositores fazerem música de investigação, arriscando e procurando encontrar algo de novo, do que permanecerem ideologicamente amarrados às correntes dos anos 80/90 que hoje se encontram com uma certa frequência em Portugal. A ter hoje influência de uma escola, que essa influência seja de uma corrente que eu considere o mais actual possível. Esta é uma preocupação que tenho, que sempre tive e que agora tenho mais vincada.

Ricardo Ribeiro, Agosto de 2011
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