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Enrique X. Macías (1958-95)


Enrique X. Macías, compositor galego editado pelo MIC.PT deixou-nos há 20 anos em Novembro de 1995, no auge da sua criatividade com apenas 37 anos. Enrique X. Macías manteve relações privilegiadas com o meio musical português, tendo sido curador da Fundação de Serralves, biógrafo de Emmanuel Nunes, e a sua música foi presença regular nos principais festivais dedicados à música contemporânea, nomeadamente, nos Encontros Gulbenkian de Música Contemporânea e no Festival Música Viva, entre outros. O seu espólio foi confiado ao MIC.PT, e a última obra que escreveu Clamores y Alegorías, uma encomenda do Festival Internacional de Música de Canárias para orquestra, foi estreada postumamente em 1996 graças ao empenho de Miguel Azguime, grande amigo do compositor, na organização da partitura e das partes da obra. Clamores y Alegorías foi também recentemente apresentada no dia 29 de Outubro passado, no contexto das Jornadas de Música Contemporânea 2015 de Santiago de Compostela, pela Orquestra Sinfónica da Galiza sob a direcção de Arturo Tamayo, num programa partilhado com música de Anton Webern e Arnold Schönberg.

Tanto a obra como a trajectória de Enrique X. Macías, constituem um gesto paradigmático e profundo de rigor e liberdade, a par de uma reivindicação constante de autenticidade e coesão individuais. Evidenciando, de certo modo, a sua atitude de questionamento constante, da necessidade de invenção e lucidez, o compositor retirou do seu catálogo todas as suas obras anteriores a 1981 passando subsequentemente por 14 anos ricos em produtividade, e deixando-nos 29 obras que constituem o seu legado artístico definitivo. Actualmente, a maior parte das suas partituras estão disponíveis no portal do Centro de Investigação & Informação da Música Portuguesa, MIC.PT, desde obras a solo, passando pela música de câmara, até obras para grande orquestra como Clamores y Alegorías, (1995), Exequias (1992/94), ou Duplo (1991/92).

É de facto surpreendente que a recente efeméride, 20 anos depois da morte de Enrique X. Macías, tenha passado praticamente desapercebida, e que a sua obra continue ausente nos repertórios dos espectáculos dedicados à música do nosso tempo, permanecendo assim à espera de uma atenção urgente da parte dos investigadores, programadores, intérpretes e público, interessados na nova música.
Em oposição às certas críticas dirigidas à sua música considerada radical, na criação de Enrique X. Macías não encontramos nenhum espírito revolucionário do século XX, mas antes, sim, uma personalidade honesta e inquieta, comprometida com a linguagem do tempo em que viveu e trabalhou. Aqui, são evidentes as influências do estruturalismo, da nova complexidade e da escola francesa na linha estrita e clarividente tanto de Pierre Boulez como de Tristan Murail. Contudo, como nos diz o compositor na entrevista realizada pelo musicólogo e crítico, Guillermo García-Alcalde, e publicada em Dezembro de 1991 no jornal Faro de Vigo: “Prefiro não me posicionar nem me etiquetar, que é a função dos críticos, e digo-o sem acrimónia ou ironia. Os meus interesses e pontos de referência podem girar na órbita [do estruturalismo], mas a composição é muito mais do que isso. Mesmo um processo estruturalista (...) pressupõe surpresas para o próprio autor. (...) Tudo parece disposto em perspectiva lógica mas, de súbito, sem se saber porquê, salta a surpresa. Quando a estrutura rege a construção da obra, esse golpe é a resposta a uma necessidade de modificar a ordem estrutural. Portanto, a estrutura é flexível, maleável e permeável a um pensamento inventivo que, por outro lado se sujeita a ela, como um fluxo que vai e vem e com o qual se joga. Agora, para mim é fundamental conceber na origem um suporte formal. Sem dúvida pertenço a essa corrente”[1].

Um ponto de viragem no percurso de Enrique X. Macías é a obra Itinerario de Luz para flauta, clarinete, trompa, violino, viola, violoncelo e electrónica em tempo real, composta em 1995 em resposta a uma encomenda do Centro Galego da Arte Contemporânea. Aqui, mais do que estruturalismo é notável uma inclinação particular pela estilização, que conjuga valores tímbricos e espaciais. Permanecendo emblemática na linguagem musical de Enrique X. Macías, esta obra inicia, simultaneamente, uma nova fase no seu percurso, sobretudo no que diz respeito à elaboração de um novo material sem recorrer a material de peças anteriores. Qual seria o destino desta viagem iniciada com o Itinerario de Luz? Esta questão permanecerá sem resposta, contudo, o texto que o compositor publicou como nota de programa a esta obra revela-nos, numa espécie de auto-retrato, os códigos enigmáticos para a compreensão da sua vida e obra: “Silêncio, somente silêncio. A trajectória do silêncio. Não há rastos de som nenhum. Apenas o silêncio. Procurando pelo som desconhecido, o mais autêntico, o preferido, embora desconhecido. Cronologia de uma biografia. Memória de uma biografia. Necessidade de memória. Memória e perspectiva do tempo. Concretização não casual de um tempo, para o fazer necessário, para que se torne necessário. A obra deve viver a sua independência, tornando-se num ser vivo com as suas perfeições e imperfeições. A reescrita de uma imperfeição como uma nova perspectiva e realização de um potencial. A obra cresce e segue o seu itinerário. Aberto/fechado. Silêncio/som. Escuro/claro. Espelho. Figuras no espelho”[2].

Ao longo do seu curto mas fértil e intenso percurso, Enrique X. Macías foi distinguido com numerosos prémios, distinções e menções honrosas, nomeadamente, na Tribuna Internacional Gaudeamus (Holanda, 1981 e 84), no Concurso de Composição Cristobal Halffter (Espanha 1983), Concurso Internacional de Composição Fernando Pessoa (Portugal 1985), na Tribuna de Jovens Compositores da Fundação Juan March (Madrid, 1983 e 87), e ainda no Concurso de Composição da Sociedade Geral de Autores de Espanha (1987); em 1985 o compositor representou Espanha na Tribuna Internacional de Compositores da UNESCO em Paris. É preciso igualmente realçar as encomendas que recebeu nomeadamente da Fundação Calouste Gulbenkian, do Groupe de Recherches Musicales de Paris, da Radio France, do Ministério da Cultura Espanhol, do Círculo de Belas Artes de Madrid, do Festival Antidogma de Turin e da Universidade de Santiago de Compostela. A sua música foi também gravada para numerosas rádios em várias partes da Europa, tendo sido programada em eventos e salas de concerto internacionais de relevância, entre os quais: a Bienal de Veneza, Gaudeamus Muziekweek, Encontros de Música Contemporânea de Lisboa, Tage für Neue Musik, Cicle Acousmatique de INA/GRM, Almeida Theatre/London Sinfonietta, entre outros.
No percurso de Enrique X. Macías destacam-se ainda: a sua participação nos Cursos de Férias de Nova Música em Darmstadt, entre 1980 e 84, e as suas residências nos estúdios de música electrónica da Radio Finlandesa, e da Academia de Música de Cracóvia. Entre 1985 e 1991 foi compositor convidado do Instituto de Sonologia de Utrecht, do Groupe de Recherches Musicales de Paris e do STEIM de Amsterdão, tendo também trabalhado no Espace Musical e participado no estágio de verão do IRCAM.

Enrique X. Macías foi certamente uma das figuras mais singulares e carismáticas da música galega na margem dos séculos XX e XXI. A sua produção foi sempre acompanhada por uma reflexão filosófica e teórica profunda, no sentido de desenvolver e manter a sua própria unicidade no que à composição diz respeito. Neste contexto o compositor apurou a ideia que na verdade não era possível ensinar alguém a compor e, mais especificamente, a criar. Segundo Enrique X. Macías, o que é absolutamente fundamental e vital no percurso de cada compositor é a abordagem autodidacta e solitária na procura da sua própria voz. “Quem se aferra a um sistema faz-se epígono de quem o inventou. Criar é, a meu ver subverter o sistema, como fez Mozart no seu tempo. Sem dúvida houve momentos de regressão entre os maiores, e o caso de Bach é paradigmático: quando todos os seus filhos escreviam ligados à Escola de Mannheim, ele persistia ligado ao contraponto e deixou-nos um legado genial como a Arte da Fuga. Que significa isso? Significa que há que ser consequente com a aquisição de uma linguagem pessoal. Estará cheia de influências e referências, mas a autêntica criação nasce de uma reflexão individual que assume frente à sociedade todos os riscos possíveis. Queiramo-lo ou não, colocarão sobre a nossa cabeça uma cruz vermelha ou negra: iremos ou não na crista de onda, mas como compositor devemos afastar-nos disso e conseguir a nossa coerência à custa do que quer que seja. Enquanto ser vivo, cada obra tem o seu próprio destino. Se tem capacidade de explicar-se a si mesma diante de um auditório, viverá; em caso contrário, morrerá”[3].

Enrique X. Macías nasceu em Vigo em 1958 e faleceu nesta mesma cidade em 1995.

Enrique X. Macías no Música Hoje (RTP . Antena 2): RTP Play

© MIC.PT, Janeiro de 2016

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1 Enrique X. Macías na entrevista realizada em 1991 por Guillermo García-Alcalde, cujos fragmentos estão disponíveis no livrete do CD editado em 1993 pela Miso Records (mcd 005), e que inclui as seguintes obras do compositor: Nobilissima Visione II/Postludios (1989/91) e Cadências e Interlúdios/Percurso I (1989-92/...).
2 Nota de programa à obra Itinerario de Luz da autoria de Enrique X. Macías, cujo fragmento está disponível no texto de Miguel Azguime publicado no livrete do álbum duplo monográfico da Miso Records (mcd 019/020.08), dedicado à música de Enrique X. Macías e lançado em 2008 por ocasião do 50.º aniversário do nascimento do compositor; tradução para português: Jakub Szczypa.
3 Enrique X. Macías, op. cit.

 

 

 

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