Entidade/Evento 5o. Workshop da Orquestra Gulbenkian para Jovens Compositores Portugueses
Local Fundação Calouste Gulbenkian
Localidade Lisboa
País Portugal
Notas Sobre a Obra
Heptâmetro, para orquestra, parte de um conjunto de dois acordes oriundos da minha peça Quatro estrofes, para violoncelo solo (2003). Do ponto de vista formal, a peça descreve um arco não simétrico de tensão a partir de uma situação de predomínio da harmonia em direcção a outra de predomínio da melodia.
A peça está estruturada em sete grandes secções, donde deriva o seu nome, que significa “verso grego ou latino que tem sete pés”.
A peça começa com um ataque f e stacatto dos sopros e das percussões, de cujo impacto é filtrado um agregado nas cordas, o qual será reproduzido pelos sopros enquanto as cordas apresentam um segundo agregado. Este introduz um novo conjunto de intervalos que constituirá um universo harmónico contrastante com o inicial. As percussões vêm expor a estrutura interna das durações de todos os sons desta secção, a sua ossatura.
A 2a. secção começa com uma mudança textural preconizada pelas cordas: cabe-lhes a exposição da harmonia, enquanto os sopros têm uma função de enriquecimento tímbrico. Começam a delinear-se pequenas melodias, o que é fulcral no desenrolar da peça, ao constituir um primeiro movimento de definição do arco referido. Essas melodias utilizam apenas notas que já se encontram presentes na harmonia exposta nas cordas.
A 3a. secção inicia-se com uma pequena evolução no comportamento dos sopros: as notas das células melódicas acrescentam-se à harmonia exposta nas cordas. Assiste-se à evolução natural das pequenas células melódicas, cuja dimensão e complexidade são progressivamente incrementadas. Nesta 3a. secção verifica-se um crescendo de tensão que culminará num primeiro clímax que assinala o fim das secções de predomínio da harmonia. A partir deste ponto, verifica-se um predomínio da linha melódica, da qual decorre a harmonia. Inicia-se uma sequência de secções contrapontísticas. Uma passagem assume posição de destaque na arquitectura e na dramaturgia da peça: consiste no que designaria “contraponto de vozes complexas” a três partes. Vozes complexas porque são constituídas não por um único instrumento, ou por um conjunto de instrumentos a tocar uma mesma parte, mas sim por um número variável de partes – sete partes nas cordas, três nos metais e quatro nas madeiras – e por dois instrumentos de três famílias diferentes: cordas com harpa e sinos; metais com piano e gongs; madeiras com marimba e pratos suspensos.
Por que razão considero, por exemplo, as cordas divididas em sete partes, a harpa e os sinos uma só voz? É uma voz – complexa – porque entre os seus elementos definidores há um elevado grau de identidade, por um lado, tímbrica: o timbre das cordas; identidade de contorno: as partes evoluem sobretudo por movimento paralelo, pontualmente por movimento oblíquo; finalmente, identidade harmónica: verifica-se uma elevada concordância entre os intervalos harmónicos definidos pelas diversas partes de cada voz. De facto, neste ponto da peça, faz-se uma separação clara entre dois conjuntos de intervalos, que vigorará até ao seu final e que define dois universos harmónicos distintos, com intervalos de ligação entre esses dois conjuntos.
O elevado grau de identidade em cada voz complexa, sobretudo resultante da escrita homofónica e do movimento paralelo, pode suscitar uma escuta espectral e não harmónica dos agregados resultantes. Cada conjunto vertical de intervalos define um timbre distinto. Esta perspectiva espectral é potenciada pela tendência para reproduzir o modelo dos espectros harmónicos, utilizando intervalos maiores no registo grave e menores no agudo.
Ainda uma palavra a respeito das vozes ditas complexas e da sua evolução desde as respectivas entradas até ao fim da secção. Utilizemos como exemplo a voz constituída pelas cordas, harpa e sinos: enquanto na entrada da voz complexa se verifica um grau de identidade máxima entre a harpa e os restantes elementos desta voz, aos poucos assiste-se a um movimento de autonomização da harpa, nomeadamente ao nível rítmico, evoluindo ao ponto de manter com a voz a que pertence – ou pertencia – afinidades apenas ao nível do conjunto de intervalos que utiliza. Esta autonomização verifica-se também no piano e na marimba, e dá-se tanto mais depressa quanto mais tarde a voz aparece. A afirmação da harpa, do piano e da marimba como instrumentos autónomos em relação às vozes a que inicialmente pertenciam terá consequências nas 6a. e 7a. secções, nas quais estes instrumentos desempenham o papel central na exposição das três vozes do contraponto que aí se encontra.
A 5a. secção – a cargo de três percussões metálicas – é de distensão dinâmica, textural, harmónica e melódica. São usados dois modos de emissão do som: percussão lascia vibrare e em trémulo. A secção termina com um trémulo, que prepara a secção seguinte, como se de um trilo de uma cadência de concerto se tratasse.
A 6a. secção surge como sequência da evolução das partes da marimba, do piano e da harpa a partir das vozes complexas de que eram parte integrante na 4a. secção. Esta secção consiste num contraponto a três partes entre estes três instrumentos. Cada nota de cada linha contrapontística é antecedida de um melisma. Todos os intervalos desta secção – e da seguinte – pertencem a um dos dois conjuntos de intervalos referidos. Quanto aos melismas que antecedem as notas do contraponto, são desenhados a partir de três contornos base e das suas transformações por inversão e retrogradação.
A 7a. secção é um desenvolvimento da anterior: as cordas sustentam as notas principais do contraponto de forma descontínua; não há melodia, apenas harmonia e timbre. Estas características mantêm-se inalteradas até ao fim da secção.
Na escrita para os sopros são utilizados dois gestos: um primeiro derivado dos melismas do trio contrapontístico, não apenas no seu carácter eminentemente ornamental, mas também no seu contorno: cada melisma dos sopros está relacionado pelo contorno e, pelos intervalos utilizados, a um melisma do trio, sendo uma transformação de um deles. Um segundo gesto – derivado do primeiro, na medida em que se esboçam pequenas células melódicas construídas com as mesmas notas do melisma articulado por um instrumento de sopro – termina numa das notas do contraponto, para onde essas células convergem. Este processo é desenvolvido do seguinte modo: com as notas do melisma de um instrumento de sopro, forma-se uma melodia, ou melhor, três versões heterofónicas de uma melodia. Enquanto anteriormente a melodia convergia para a nota do contraponto a que estava associada, agora a nota do contraponto é o eixo à volta do qual se forma um agregado de três notas, e isto para as três notas do contraponto entre marimba, piano e harpa. Formam-se, portanto, três agregados de três notas, com base em cada uma das notas do contraponto. Nesta secção desenha-se um crescendo que conduz à coda.
A coda é uma reexposição do gesto com que se inicia a peça. Aqui o gesto repete-se dando origem, em cada ocorrência, a um novo agregado, cada um mais rarefeito que o anterior, num movimento de convergência. Este processo vem a culminar numa versão do agregado inicial, ou, tão-somente, no seu eco algo distorcido.
Heptâmetro foi composta na fase final do meu curso de composição sob orientação dos Professores Christopher Bochmann e António Pinho Vargas, a quem agradeço: sem o inestimável contributo de ambos esta peça seria necessariamente diferente. Agradeço à Rosa Ventura, minha sogra, pela edição das partes cavas.
Dedico Heptâmetro à minha mãe, Maria de Matos Lopes Cardoso (1941-2005).
Luís Cardoso
Circulação
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Entidade/Evento
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Localidade
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Inv Row
Heptâmetro
Estreia
2007/Jan/26
5o. Workshop da Orquestra Gulbenkian para Jovens Compositores Portugueses