Na (de)formação de um desejo nasceu da
vontade de escrever sobre o desejo e os seus pos- síveis pólos. Aliada a esta
vontade, a teoria dos afectos de Baruch de Espinosa influenciou o processo criativo da obra.
“O desejo é a própria essência do Homem na medida em que esta se concebe determinada, por qualquer uma das afecções que nele se dão, a fazer algo.” – In
Ética de Baruch de Espinosa
Segundo Espinosa, o desejo é a essência do Homem, mas esta só pode ser compreendida como tal pela sua acção dinâmica, pela sua essência determinada a agir, o que aumenta a sua potência de agir. Opondo-se a esta essência do Homem, Espinosa refere que, ao ser afectado por causas externas, o Homem pode padecer, o que pode diminuir a sua potência de agir.
É nesta diminuição da potência de agir, numa atmosfera densa e de tensão, associada à repressão de um desejo, que a obra se inicia. Os metais marcam este início com ataques rápidos que, como se fossem uma série de embates, vão retirando a força ao corpo da orquestra. Neste corpo quase sem forças desenha-se, então, o nascimento do desejo, que começa a ganhar forma e movimento. A partir deste momento, este corpo, pela sua determinação em agir, ganha mais e mais força, o que aumenta a sua potência de agir, culminando numa atmosfera repleta de gestos rápidos que atravessam as várias partes do corpo da orquestra.
Na (de)formação de um desejo é, então, num primeiro momento, sobre a deformação do desejo, sob a forma de desejo reprimido; e, num segundo momento, sobre a formação do desejo, que vemos crescer e desenvolver-se até ao final da obra.
Solange Azevedo · Folha de Sala · Casa da Música · 15/10/2022