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“Seven Pomegranate Seeds, por entre gestos e Timbre”
TIAGO CABRITA
Sara Carvalho
7 Pomegranate Seeds
Numérica (NUM 1206)

Sara Carvalho (1970) edita, pela Numérica, um CD com obras suas intitulado “Seven Pomegranate Seeds”. Ao contrário do que poderia, eventualmente, ser sugerido pelo título, “Seven Pomegranate Seeds” não representa uma peça com sete partes ou andamentos, mas sim sete peças distintas – aliás, de anos relativamente distantes, por exemplo, “Blows Hot and Cold” (1996), para Quarteto de Cordas (revista em 1997) e “Solos IV”, para Soprano (2000) e outras mais recentes, sendo que as restantes peças foram escritas entre 2006 e 2009.

Em termos de estrutura existe uma alternância entre obras para ensemble e instrumento solo.

A música de Sara Carvalho apresenta, na generalidade, uma exploração muito interessante do timbre. Se, por um lado, a variação tímbrica é, talvez forçosamente, mais variada nas peças para instrumento solo (destaco “The Moon Lost Her Name” – um discurso que vai integrando eficazmente a coexistência de materiais sonoros variados, como harmónicos artificiais, articulações e diversos golpes de arco como o jeté, o ruído, uma “melodia” que, a sê-lo de facto, surge fragmentada), por outro lado, as peças para ensemble, no que respeita ao trabalho com o timbre (assumindo agora o termo “timbre” como “som”) são ainda mais ricas.

“Solos IV”, para soprano solo, é dividida em três cenas. A peça incide sobre a história mitológica de Perséfone que é raptada pelo seu tio Hades, causando grande sofrimento à sua mãe, Ceres. A compositora refere a existência de elementos visuais que, de certa maneira, ajudariam o ouvinte a perceber a existência de três personagens diferentes (Perséfone, Ceres e um narrador). Infelizmente, no caso concreto desta peça, o discurso musical não dispensa os motivos visuais que a compositora refere, já que, sobretudo da primeira para a segunda cena, não parece existir um discurso musical suficientemente contrastante para que o ouvinte possa percepcionar claramente esta articulação formal (algo que, em palco, seria certamente mais evidente). É de referir, no entanto, que tal já não acontece na transição da segunda para a terceira cena, onde a voz expande de forma significativa a variação timbríca e o próprio material musical, articulando o canto com a fala, o sussurro, etc.

“Postlude, stlll in fugue” é, como explica Sara Carvalho, a versão moderna da sua peça “Prelude in Fugue” escrita para pianoforte. Esta é uma obra em que a figura de tremolo ganha grande preponderância na condução da peça, sendo que parece existir um contorno melódico que se vai alterando de um modo aparentemente improvisatório. Se existe um momento neste CD em que a melodia e o lirismo tomam conta da música que estamos a ouvir, conduzindo e condicionando a harmonia de um modo bastante dinâmico, esse momento é “Postlude, stlll in fugue”.

A música de Sara Carvalho ganha outras qualidades quando passa para o domínio da música de câmara / ensemble. “Cleave II”, a primeira faixa do CD, é uma peça muitíssimo bem conseguida, que impressiona desde logo por uma composição do som particularmente rica e interessante. Na secção inicial, o ensemble é tratado como uma espécie de câmara de ressonância das notas, que vão sendo lançadas pelo(s) instrumento(s) que tem um papel mais melódico – ou pelo menos, de maior preponderância no discurso musical do ponto de vista do ouvinte. Esta preocupação remete, de certo modo, para problemáticas mais ligadas à escola espectral, de que se destacam compositores como Gérard Grisey, Tristan Murail, Jonathan Harvey (ou compositores mais recentes, em certa medida “herdeiros” deste tipo de pensamento, como Kaija Saariaho ou Marc-André Dalbavie).

“Motion Machines II”, por sua vez, tem uma primeira secção de ambiente mais soturno. A segunda parte da peça, de maior dimensão que a primeira, remete para a utilização do contraponto e a clara oposição entre instrumentos. As intervenções de cada instrumento vão sendo pontuadas ritmicamente tanto pelo piano como pelo acordeão, criando assim uma imprevisibilidade rítmica que é muito bem vinda e eficaz do ponto de vista do discurso musical.

“Hollow” encerra em si um ambiente muito especial. O piano (com uma exploração tímbrica particularmente interessante – tocado dentro, por exemplo) e a percussão pontuam, num plano secundário, um diálogo entre clarinete e flauta que se vai fazendo entre leves contornos melódicos e tremolos. Há momentos em que os papéis se vão invertendo (estabelecem-se diferentes pares) e outros em que o ensemble parece funcionar como um só bloco. O discurso, apesar de rico, carece de alguma definição / direcção, no sentido em que não sente propriamente o atravessar de um percurso até um determinado ponto de chegada.

“Blows Hot & Cold”, quarteto de cordas de 1997 é um peça dividida em dois andamentos. O primeiro andamento, de gestos musicais mais vigorosos que o segundo, fez-me recordar (salvo as devidas diferenças) quartetos de dois compositores da primeira metade do século XX que, de alguma maneira, marcaram uma forma de escrever para esta formação – Leoš Janáček e Bela Bartók.

Para além de salientar a excelência dos intérpretes e das interpretações das peças presentes neste CD (e não posso deixar de destacar a subtileza da interpretação de Raquel Camarinha e de todos os Ensembles envolvidos, sem exceção), é de referir a qualidade inegável da música de Sara Carvalho, carregada – no bom sentido – de sensibilidade, cor e profundidade.

Existe neste CD riqueza mais do que suficiente para que, a cada nova audição, se viva em relação a cada peça uma experiência de redescoberta e renovado interesse.

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