Na tarde do passado dia 10 de Julho, num concerto integrado no programa Música na Universidade de Lisboa (A Arte do Saber – O Concerto Final da Temporada), pudemos escutar três novas obras de compositores portugueses em estreia absoluta. A Orquestra Académica da Universidade de Lisboa lançou um concurso de encomendas aberto a compositores, com a ideia de estimular a criação actual, mas também desafiar a orquestra “a explorar novos mundos sonoros e a experimentar novas formas de abordar uma obra musical”, como se podia ler nas notas de programa ao concerto. Uma boa forma de estimular esta jovem orquestra criada em 2014 e dirigida actualmente pelo maestro Tiago Oliveira.
Tiago Oliveira
O concerto arrancou com duas pequenas peças de Fábio Cachão, Interlúdios para Warhol e Basquiat. O primeiro interlúdio deixou um amargo de boca, com ideias a mais para tão pouco tempo de desenvolvimento, como se os esboços criativos tivessem ficado atravancados no excessivo trânsito das ideias. Para homenagear Warhol, talvez uma simplicidade (provocatória) e algo mais “directo ao assunto” fossem mais adequados. A segunda parte, “para Basquiat”, pareceu-nos bem mais delicada e coerente, com uma série de gestos em crescendo que, embora não cheguem a ir a lado nenhum, conseguem “abrir” as ideias sonoras e deixá-las a ressoar na sua potência. De qualquer forma, fica a sensação de incompletude: dois interlúdios inacabados que talvez possam ser parte de uma série maior onde as ideias soltas se agarrem um pouco melhor ao papel, num jogo de referências a artistas plásticos que merece ser enriquecido.
Seguiu-se a peça de Diogo da Costa Ferreira, Penso em ti, logo sou – homenagem a António Coimbra de Matos, uma obra capaz de rapidamente criar uma tensão que agarra os nossos ouvidos. Mas o que é verdadeiramente interessante aqui? Por um lado, a exploração sonora interior, ou seja, a capacidade de descobrir na orquestra um mundo próprio, criar “um som” feito de muitos sons. Por outro lado, Diogo da Costa Ferreira consegue, em pouco tempo, cativar os ouvidos, não largar o ouvinte. Não o faz com efeitos fáceis, mas com um aprofundamento sucessivo do processo de “introspecção orquestral”, que nos leva com a orquestra no seu pensamento, adentro dos seus pianissimi. O compositor é também escritor e ensaísta, e um dos seus interesses principais tem a ver com a psicanálise e a psiquiatria. Daí não surpreender a dedicatória da obra a António Coimbra de Matos, importante psicanalista português recentemente falecido. Penso em ti, logo sou é uma obra surpreendente que abre caminho. Porque parece emergir de uma pesquisa aprofundada e porque nos interpela pela sua sensível congruência. Música que pensa e nos convida a pensar.
Vieram depois as Três miniaturas de Francisco Lima da Silva, peças estimulantes que revelam um bom conhecimento da orquestra. Detectamos uma vontade de “orgânico” (construção musical como se de um corpo se tratasse), e também uma evidente queda para uma música “imagética” (criadora ou sugestiva de imagens), ao mesmo tempo que sugere mini-histórias, resgatando essa possibilidade da música de ser “narrativa”. Os perigos estão à vista: algum convencionalismo e a derrapagem em alguns clichés melódicos e tímbricos da chamada “música de cinema”. Mas a verdade é que sabe bem ouvir a música bem construída de Francisco Lima da Silva, muito interessada pela harmonia e as suas (infinitas) possibilidades. Estas suas miniaturas revelam bom domínio dos meios orquestrais e uma certa alegria na sua (re)composição criativa.
Sabe bem ouvir uma orquestra amadora jovem a tocar com entusiasmo e rigor obras novas de compositores jovens (todos os três nascidos no início dos anos 90), e com a excelente direcção de Tiago Oliveira. Ainda por cima obras abertas ao mundo, nas ligações que procuram com outras artes, com a ciência e com as “humanidades”, afirmando a criação actual como expressão e conhecimento ligado a tudo o que nos faz humanos. Ainda para mais com a zona central da grande sala da Aula Magna quase cheia. Gente que veio ver quem toca, de ouvidos abertos à escuta da música mais actual. Mas havia também música de Beethoven, um daqueles que andou à procura de novos meios para a expressão dos conflitos, das esperanças e das exaltações do seu tempo. E foi bonito ouvir a 5.ª Sinfonia numa interpretação corajosa da Orquestra Académica da Universidade de Lisboa. Corajosa nos tempos, nas dinâmicas, na atitude. Só com essa coragem se descobre numa obra conhecida coisas novas. E é essa atitude perante a música (de ontem ou de hoje) que vale a pena.
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