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Piano Contextualizado
JAKUB SZCZYPA

2013.02.01

Não apenas Lisboa e o Porto, mas também Coimbra é um importante centro cultural e para a nova música, cujo exemplo foi sem dúvida o concerto que decorreu no dia 12 de Janeiro no Teatro Académico de Gil Vicente, com o título “Do Virtuosismo Pianístico de Liszt à Multi(n)disciplina do Século XXI”. A concepção do espectáculo é da autoria da compositora portuguesa Patrícia Sucena de Almeida, interpretado pelo pianista britânico Ian Pace, com coreografia de Teresa Gouveia e a participação de duas bailarinas: Maria Rita Nogueira e Sara Gil Agostinho.

Os recitais híbridos em que a música dos séculos XX e XXI é misturada com peças “clássicas” ganharam cada vez mais popularidade ao longo dos anos 90 e 2000 na medida em que conjugam e contextualizam peças de vários períodos, vários géneros e estilos diferentes. A proposta de Patrícia Sucena Almeida e Ian Pace, duo que já realizou em conjunto vários projectos, aposta na contextualização histórica do recital pianístico, por assim dizer, nas suas duas vertentes. Por um lado a primeira parte do concerto, vem da linha traçada por Franz Liszt (“Fantasia e Fuga no Tema B-A-C-H”) cujo virtuosismo e experimentalismo ao longo do século XX encontraram a sua reflexão nas intervenções teatrais por Mauricio Kagel (“MM51”), Dieter Schnebel (“espressivo”) ou Frederic Rzewski (“De Profundis”), que desconstroem o acto da performance. Por outro lado depois do intervalo delineou-se uma linha mais modernista que começou com a abordagem “impressionista” dos “6 Épigraphes Antiques” de Claude Debussy, passando pela concentração de “Extensions 3” de Morton Feldman, intimidade radical de “...sofferte onde serene...” de Luigi Nono para terminar o concerto com a estreia de Patrícia Sucena de Almeida “reditus ad vitam”.

Os projectos multidisciplinares em que decorre a inter-reacção entre várias artes são já uma “marca registada” de Patrícia Sucena Almeida, que paralelamente está a desenvolver um projecto de Pós-Doutoramento na Universidade de Aveiro que implica um Estudo, Análise e Desenvolvimento de Novos Conceitos de Interacção entre as Diversas Artes com a Linguagem Musical e sua Aplicação em Modelos Composicionais Multidisciplinares. “Reditus ad vitam” também se inscreve nesta linha incluindo o poema de Russel Edson, “The Marionettes of Distant Masters” (difundido no início como um prólogo à peça), e a coreografia de Teresa Gouveia com a intervenção de duas bailarinas. Esta obra constitui uma resposta do século XXI às outras peças “históricas” do concerto, pretendendo sintetizar e talvez desenvolver os seus aspectos tanto musicais como ao nível da junção de várias linguagens artísticas. Aqui, a música, que através da complexidade ora rítmica ora dinâmica parece mimetizar uma “dança de borboletas”, o texto, o movimento, a luz, encontram-se no seio da criação e sob a influência da própria compositora. O carácter surreal, grotesco e “leve” do poema parece influenciar a própria música que impulsiona e alimenta a coreografia, “ligando” e “desligando” através de certos gestos sonoros os movimentos das bailarinas.

Fantasiar, meditar e elucubrar sobre este jogo de interacções, texto-música, música-coreografia e texto-coreografia, é uma actividade mental aprazível, contudo, a percepção estética neste caso não saiu dos limites de uma especulação. Além de prazer intelectual, a música deveria provocar emoções, e é precisamente este elemento que faltou ouvir (e ver) em “reditus ad vitam”.

A dupla constituída por Patrícia Sucena de Almeida, com o seu empenho multidisciplinar, e por Ian Pace, pianista versátil cujo repertório privilegia a nova música mas ao mesmo tempo assenta numa lógica de programas híbridos, serve sem dúvida para construir um concerto/espetáculo que apela a um público diversificado, abraçando, por assim dizer, música para todos os gostos. Talvez por isso, o concerto tenha tido uma excelente adesão do público, que conseguiu certamente reconhecer na estratégia programática o valor educativo meticulosamente delineado por Patrícia Sucena de Almeida. Contudo, relativamente ao programa apresentado, assim como à própria interpretação quero sublinhar alguns aspectos que tornaram este concerto/espectáculo menos apelativo que a sua aspiração.

A já mencionada versatilidade do pianista Ian Pace, se por um lado é sem dúvida uma factor positivo, por outro fez transparecer imperfeições que têm a ver com uma subjacente superficialidade interpretativa, que deriva directamente da execução de um repertório demasiado diversificado, impossibilitando em meu entender prestar a devida atenção à multiplicidade de nuances interpretativas. Não é por coincidência que existe hoje em dia cada vez mais especialização no que diz respeito à interpretação da música de várias épocas – antiga, clássica, romântica ou contemporânea. O segundo aspecto que gostaria de sublinhar tem a ver com a forma do próprio concerto, que se desenvolve numa linha ora multidisciplinar ora modernista, apresentando todas as obras dentro de um contexto “musicológico” e histórico, numa lógica de exposição da evolução da linguagem musical do repertório pianístico. Esta vocação do recital, perde-se, a meu ver, na sua densidade e na sua duração que não teve certamente em conta a capacidade perceptiva do ouvinte; foram aproximadamente 2h45 de concerto, anunciado com a duração de 1h30.

O concerto “Do Virtuosismo Pianístico de Liszt à Multi(n)disciplina do Século XXI” constitui sem dúvida uma proposta interessante de concepção de um recital pianístico, que merece ser retrabalhada no que diz respeito a pormenores de execução e de programação - menos obras teria provavelmente sido sinónimo de interpretação mais cuidada; e no que diz respeito à estreia portuguesa da nova obra de Patrícia Sucena de Almeida, esperamos que a sua investigação sobre interacções entre várias formas artísticas resulte numa obra futura cujo impacto e beleza nos emocione e nos surpreenda.

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