O concerto em homenagem a Emmanuel Nunes organizado pelo Festival Música Viva 2012 foi um momento musical de alto nível. Infelizmente, a afluência do público não esteve à altura da qualidade do concerto nem do compositor homenageado.
— 2º Fórum Internacional para Jovens Compositores do Sond'Ar-te Electric Ensemble
O segundo concerto, realizado no âmbito do 2.º Fórum Internacional para Jovens Compositores do Sond'Ar-te Electric Ensemble, iniciou com a obra “Pendulum” do compositor Rui Penha, composta para flauta, clarinete baixo, piano, violino, violoncelo, electroacústica em tempo real e vídeo. Para a execução da obra, o piano situa-se no palco, a flauta e o violoncelo são colocados do lado direito da sala e o violino e o clarinete baixo, do lado esquerdo. “Pendulum” inspira-se numa ideia simples: a sobreposição dos movimentos de pêndulos de vários comprimentos e os fenómenos de periodicidade que resultam dessa sobreposição. Durante a execução da obra é projectado um vídeo que representa movimentos de pêndulos. Embora cativando os olhares, as imagens projectadas mantêm uma relação relativamente abstracta com a experiência sonora; ainda que alguns elementos pontuais e repetitivos no registo grave sugiram uma certa forma de periodicidade. Na sua vertente harmónica, “Pendulum” insere-se na estética da música espectral. Baseia-se num único espectro, relativamente simples. Mas a aparente simplicidade dos recursos harmónicos convida-nos a entrar dentro do espaço do som e a partilhar a sua vida interna. Os pormenores da escrita concorrem para esse fim, como o tratamento do som em tempo real. O compositor, de forma subtil e inteligente, soube integrar o espaço como componente essencial da obra.
“In Symmetrie” do compositor Arash Safaian possui uma conotação minimalista, impressa de uma personalidade original. A obra divide os instrumentos em dois grupos. O piano, que se opõe ao grupo formado pelo violoncelo, o clarinete, o violino e a flauta, garante o suporte harmónico ao tocar em tremolos sucessões de acordes reconhecíveis. A maioria desse acordes progridem por movimento conjunto com desfasamentos entre as vozes, criando efeitos interessantes de dissonâncias e de sobreposição harmónica. Esses efeitos são ainda acentuados pelo uso de delay na parte electrónica. Em oposição às modulações contínuas do piano destaca-se, nos outros instrumentos, uma pulsação subjacente mas constante que resulta da sobreposição de linhas melódicas ou da partição entre eles de linhas melódicas fragmentadas. As articulações e os acentos, notados com precisão, acrescentam um nível rítmico suplementar. É com base nessas texturas que “In Symmetrie” evolui no plano formal atribuindo a cada um dos grupos uma trajectória ou um espaço dentro dos registos.
Homenagem aos 150 anos do nascimento de Claude Debussy, “Dialogismos II” do compositor Nuno Peixoto de Pinho baseia-se em obras de outros compositores, dentro dos quais Claude Debussy, Jorge Peixinho, Woflgang Mitterer e Mauricio Sotelo. Não sabemos o que une esses compositores ou que critérios motivaram a escolha das obras de referência. Mas o prelúdio para piano de Debussy “…Des pas sur la neige” constitui o fio condutor de “Dialogismos II”. A obra articula-se em 12 secções contrastantes, alternando solista e conjunto. Dentro das secções, concebidas como um diálogo entre os compositores que inspiraram esta obra, o ritmo em ostinato que, no prelúdio de Debussy ‟deve ter o valor sonoro de um fundo de paisagem sonoro triste e gelado” (“Ce rythme doit avoir la valeur sonore d'un fond de paysage triste et glacé”), constitui um dos elementos mais salientes, de certa forma deturpado da sua função original por encontrar-se frequentemente em primeiro plano. A última secção da obra refere-se de forma ainda mais explícita ao prelúdio de Debussy. Inicia com uma orquestração da última melodia, para a qual Debussy indicou: ‟Comme un tendre et triste regret”. Ao transcrever a parte do piano para flauta, clarinete, violoncelo e violino, é curioso que uma nota num dos acordes que acompanham a melodia tenha sido alterado. Terá sido intencional? A obra termina com a citação literal, ainda que com electrónica, dos últimos compassos de “…Des pas sur la neige”. O interesse de “Dialogismos II” situa-se mais nos processos de transformação do material e na forma como são utilizados os meios electrónicos do que nas referências reconhecíveis.
“Drawing lines” do compositor Henrik Ajax divide-se em três andamentos e afixa uma clareza formal que resulta em parte da simplicidade dos materiais utilizados, nomeadamente a polarização sobre a nota lá ou o uso de escalas diatónicas. A oposição entre os instrumentos ou grupos de instrumentos manifesta-se de forma evidente, através das texturas e dos registos, sendo o segundo andamento o exemplo mais saliente de contraste, entre a linha melódica lenta e expressiva do violoncelo solista e os fragmentos rápidos e homofónicos dos restantes instrumentos sobrepostos como agregados cromáticos. O terceiro andamento constitui a parte principal da obra. Evoca logo de início a música de Ligeti, em particular a textura da micropolifonia do primeiro andamento do “Kammerkonzert”, com a combinação dos timbres da flauta e do clarinete. A polarização do lá nota pedal no registo grave confere um caracter estático à secção seguinte, mas serve de início à construção de um processo que leva ao clímax da obra poucos compassos antes do fim. É nessa dramatização do gesto formal que “Drawing lines” sustenta o nosso interesse.
O concerto acabou com a obra “et alibi” de Hugo Ribeiro, composta para flauta, clarinete, violino, violoncelo, piano e electónica. “et alibi” pode ser dividido em dois momentos distintos. O primeiro apresenta uma sucessão de pequenos gestos articulados com acordes contrastantes onde transparecem o domínio da escrita instrumental e um sentido apurado da forma. O segundo ocorre quando os instrumentos se calam e surgem fragmentos de músicas como que produzidas por caixas de música. Da sobreposição desses fragmentos distinguem-se melodias conhecidas. E “et alibi” termina, não sem sentido de humor, depois de uma das caixas de música, isolada, ter deixado ouvir as notas finais do “Parabéns a você”. Em português, esta frase final corresponde ao momento em que se canta ‟uma salva de palmas”. A salva de palmas que seguiu foi amplamente merecida, para o menino Hugo...
Não se pode concluir sem salientar a qualidade musical e o profissionalismo dos músicos do Sond'Ar-te Electric Ensemble (Silvia Cancela, flauta; Luís Gomes, clarinete; Suzanna Lidegran, violino; Nelson Ferreira, violoncelo; e Joana Gama, piano) que actuaram sob a direcção segura, precisa e inspirada do maestro Guillaume Borgogne, e louvar a iniciativa do Fórum para Jovens Compositores do Sond'Ar-te Electric Ensemble pela importância que tem para a criação musical contemporânea.
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