No concerto da Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música do transacto dia 11, teve o público portuense a oportunidade de assistir, no seio de um programa preenchido com obras de Bartók, Paganini e Boris Blacher, à estreia de "All-in-one expanded", de Carlos Caires (nascido em 1968), para orquestra e electrónica.
Este trabalho, encomenda da Casa da Música, tem uma génese que merece ser contada, já que contém em si algumas implicações técnicas e musicais. Em 2010, e tendo em vista a inclusão num concerto de homenagem a John Cage, a mesma instituição encomendou ao mesmo compositor uma partitura ("All-in-one"), a ser executada pelo Remix Ensemble, tendo como pretexto a famosa peça silenciosa do compositor americano: "4:33". Com algo de elegante ironia, Carlos Caires escolheu preencher rigorosamente a duração fixada por Cage com uma música que prima pela ausência daquilo que o próprio homenageado negou existir: o silêncio. Aliás, é de notar que o preenchimento de determinadas durações cronométricas é uma curiosa característica de Cage, que pode aparecer como um tanto incompatível com o seu anarquismo pansonoro e egofóbico.
A peça ora apresentada, para grande orquestra (incluindo madeiras a três e secção completa de metais), é uma expansão, como o título indica, da partitura de 2010. Expansão essa não só a nível do efectivo, e das suas implicações em matéria de orquestração, mas também no que diz respeito à duração (que atinge agora os oito minutos), o que levou o compositor a desenvolver uma requintada técnica de tropos. Tal faz com que, sendo as duas partituras obviamente relacionadas, não soe uma como mera versão (aumentada ou reduzida) da outra. Embora seja lícito pensar que a expressão all-in-one seja um tanto exagerada, ou pelo menos enigmática, para designar o ambiente da obra, esta é de uma evidência e de um classicismo dignos de nota. Evidência, porque uma figuração relativamente homogénea (blocos pontuais com ressonâncias escritas, opondo-se e sobrepondo-se a linhas) evolui numa condução harmónica segura e sempre interessante; classicismo, não num qualquer sentido referencial, mas na subtileza e economia com as que as diferentes perspectivas se sucedem, nunca procurando o efeito fácil ou as sonoridades inéditas como fim primeiro. A escrita da electrónica também não privilegia o que, neste contexto musical, seria uma suspeita espectacularidade mas prima pela coerência e integração na dimensão harmónica.
A orquestra, sob a direcção de Christoph König, ofereceu uma execução correcta, numa partitura em que a precisão rítmica é essencial, mas soando um tanto tersa no gesto. Sem dúvida que o facto de a electrónica ser fixa em suporte, e tal obrigar ao uso da click track, teve a sua influência. Não se pretende aqui contestar a opção de um compositor que, aliás tem ao longo da sua produção adoptado as mais diversas formas de, na praxis interpretativa, integrar os meios electrónicos. Em última análise, é a adequação musical o factor mais importante, para além de debates que se podem rapidamente tornar bizantinos ou estéreis. Cumpre apenas referir que o acto de interpretar, nesse tipo de relação com o tempo musical, exige paradoxalmente uma flexibilidade longa de adquirir e que pressupõe familiaridade com esta faixa do reportório.
A boa recepção do público agraciou mais um excelente trabalho de Carlos Caires.
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