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A Menina Gotinha de Água
BENOÎT GIBSON
2012.01.03

Sobre texto original do escritor Papiniano Carlos (1918-), “A Menina Gotinha de Água”, diz o programa, “fala-nos do ciclo da água, indispensável para a vida dos homens no planeta Terra, contando a história de uma gotinha de água que parte do mar, que se evapora, que viaja ao sabor do vento ao lado de tantos milhões de outras gotinhas de água, que como ela se transformam em chuva, dão vida às flores e comida aos homens, que descem ao fundo da terra, despertam numa fonte, num fio de água, num ribeiro que se transforma em rio e que regressam ao mar.”

Com uma duração aproximada de trinta minutos, trata-se de uma ópera infantil contemporânea que integra, além do texto falado e das vozes cantadas, música, coreografia, vídeo, transformações sonoras da voz em tempo real, sons da natureza e sons electrónicos difundidos no espaço.

Ao longo da ópera, foram projectados em pano de fundo vídeos realizados por Paula Azguime com imagens reais ou digitais às quais se sobrepuseram, por vezes, desenhos elaborados por crianças. Em várias ocasiões, os olhares desviaram-se da tela principal para os coralistas que, vestidos de branco, também reflectiram imagens vídeos como um segundo ecrã, fragmentado e maleável. A qualidade dos efeitos visuais, as mudanças de cores, de formas e de movimentos cativaram os espetadores. Os mais novos, interpelados por um universo imaginário que lhes é mais familiar, responderam espontaneamente com comentários em voz alta, o que, noutro contexto, teria sido considerado repreensível.

Tal como as imagens vídeo, a música apostou em contrastes para caraterizar cada uma das fases que marcam o ciclo da água. Miguel Azguime, conhecido pela sua versatilidade e por possuir um vasto leque de recursos dentro do idioma contemporâneo, soube encontrar uma linguagem musical apropriada e diversificada para realçar o sentido do texto. Os gestos periódicos, ascendentes ou descendentes evocaram as ondas do mar, as subidas ou descidas da gotinha de água; as ondulações contínuas das vozes imitaram o vento; e os padrões rítmicos, isolados ou sobrepostos em ostinato, marcaram a cadência e impulsionaram a caminhada das gotinhas de água para o mar. As transformações em tempo real foram discretas. Quanto aos sons gravados, enriqueceram as imagens sonoras em alternância com as vozes cantadas. Destacaram-se ainda as modulações harmónicas que antecederam a chegada das gotinhas de água ao mar e que produziram um transformação tímbrica notável.

O coro infantil da Universidade de Lisboa, sob a direcção de Erica Mandillo, esteve à altura do desafio que lhe foi lançado e não ficou aquém de outros coros que exercem as suas actividades como profissionais. Constituído por cerca de quarenta coralistas entre os nove e os dezasseis anos de idade, demonstrou qualidades fora do comum, tanto a nível técnico como musical. Cantou sem partituras, como é seu hábito, o que lhe deu uma certa liberdade de movimento numa coreografia contida mas eficaz. É de salientar os papéis da menina gotinha de água (Camila Robert), que assegurou com convicção alguns solos difíceis de entoar, e da narradora (Ágata Mandillo), cuja expressividade nata sustentou o desenrolar da história.

Parte do sucesso da obra prende-se com a justa integração de cada uma das suas componentes. É caso para dizer que o todo é mais do que a soma das partes. Pela sua qualidade, a sua diversidade e a riqueza dos meios envolvidos, “A Menina Gotinha de Água” marcou um momento alto na criação musical em 2011. No final, mereceu do público entusiasta longos aplausos.

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