A peça “Onze Cartas”, para orquestra sinfónica, três narradores (pré-gravados) e electrónica, de António Pinho Vargas, depois de ter sido criada a 1 de Outubro na Casa da Música do Porto, estreou-se em Lisboa no TNSC, com a Orquestra Sinfónica Portuguesa sob a direcção de Diego Masson.
Previamente à estreia, Pinho Vargas teve um encontro com o público, no qual, com muita simplicidade deu algumas pistas sobre a peça e as ideias que a precederam, mas também sobre si próprio e as suas ideias musicais, gerais, e a sua visão do mundo, da actualidade, o que o levou a auto-definir-se como um pessimista. Ao ponto de ressaltar que a última frase citada na sua obra – pertencente ao “Livro do Desassossego” –, nos vem dizer que “tudo é nulo”.
A peça, é composta com grande interacção de textos de Ítalo Calvino, Jorge Luis Borges e Fernando Pessoa / Bernardo Soares, organizados pelo compositor. Trata-se de textos auto-reflexivos sobre a problemática da escrita, segundo nos diz o compositor na sua conversa, sobre os quais começou a trabalhar por volta de 2001, tendo depois esse libreto passado por duas versões electro-acústicas, apresentadas uma primeira no Porto em 2006 e a segunda no Festival Música Viva de 2007 que tinha por título “Ciclos de Conferências e Diálogos Imaginários”.
A obra final tal como a ouvimos no dia 19 de Novembro no Teatro São Carlos, é uma encomenda conjunta da Casa da Música do Porto e do próprio TNSC e que, não se sabe se por acaso, vem assinalar os 60 anos de vida do compositor. Esperemos que estas e outras instituições continuem a desenvolver uma política de encomendas e que para que isto aconteça não tenham todos nossos compositores que esperar até ao sexagésimo aniversário...
“Todo criador traduz na sua criação a sua inquietude”, e “a música não chega”; em duas frases certeiras e com muita simplicidade Pinho Vargas “explica” em certo modo a essência da obra : de lá o facto de insistir na intensa relação entre música e os textos, e, sem dúvida o tratamento dos mesmos; o facto que se trate de três narradores pré-gravados, o que permite uma “presença” da voz e das nuances em que esta pode ser transmitida, compatível com os níveis sonoros de uma orquestra sinfónica. A electrónica por sua parte figura como outro instrumento, e, na escuta deste ouvinte, vem fazer parte do aparelho orquestral como se de mais um instrumento se tratasse. Não se trata neste caso de uma terceira estrutura sonora à par da orquestra e das vozes. E a ideia funciona perfeitamente.
Curiosamente, se os textos escolhidos tocam a especificidade da escrita e comportam uma reflexão sobre esta, o compositor não parece partir dessa mesma premissa no acto composicional. A música apresenta-se-nos como um bloco funcional, um ponto no qual apoiam os textos, as onze cartas – suponho, sem tê-las contado, que as intervenções dos textos sejam efectivamente onze, e sejam ao que se refere o título da peça –, e que tem muito de “cinematográfico”, de “ilustração sonora”. Não por ilustrar, porque não ilustra nada nem – penso – tenta ilustrar no mais mínimo seja o que for, senão do ponto de vista de tratar-se de uma música orquestral que contém uma carga narrativa de apoio aos textos, e que, nesse sentido, é duma simplicidade desarmante.
O resultado é uma peça particularmente cândida, na qual, por isso mesmo, o pessimismo do seu autor passa ao lado, deixando-nos um sentimento de obra límpida, bem estruturada e – o que não é nada simples, sobre tudo nos tempos e nas estéticas que correm – simples.
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